7 de abril de 2025
Falta de transparência: deputados da bancada evangélica transformam cidade paulista
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Deputados federais da bancada evangélica transformaram Carapicuíba, na Grande São Paulo, em um verdadeiro “paraíso” das emendas Pix, destinando montantes milionários para a cidade, que enfrenta falhas na transparência dos gastos públicos e é líder no volume desse tipo de repasse entre todos os municípios brasileiros.

Desde 2020, Carapicuíba já recebeu R$ 157 milhões por meio dessas emendas, mas nem mesmo parte dos parlamentares que direcionaram os recursos sabem onde o dinheiro foi aplicado. A cidade apresenta diversas falhas na prestação de contas, o que tem sido alvo de críticas de políticos e até do Tribunal de Contas do Estado (TCE).

As emendas Pix consistem em transferências diretas de verba parlamentar para as contas das prefeituras. Embora essa modalidade agilize os repasses, ela dificulta o controle dos gastos públicos. Carapicuíba se tornou o destino preferido dos políticos do país para a destinação desse tipo de emenda.

A cada R$ 100 enviados para municípios de São Paulo por meio dessas transferências, R$ 8,60 foram para os cofres de Carapicuíba, que tem 367 mil habitantes e ocupa apenas a 17ª posição no ranking de cidades mais populosas do estado. Esse valor é quase três vezes o montante recebido pela capital, que, ao contrário de Carapicuíba, mantém informações detalhadas sobre o destino dos recursos.

Mobilização evangélica

Uma característica peculiar da cidade da região metropolitana é que as remessas feitas por deputados da bancada evangélica representam 58% dos valores recebidos via emendas Pix. Normalmente, políticos direcionam a maior parte de suas emendas para suas bases eleitorais, mas isso não ocorre em Carapicuíba.

Sete parlamentares evangélicos que enviaram R$ 92 milhões à cidade receberam, somados, apenas 9 mil votos em 2022 no município – se dependessem exclusivamente desses eleitores, alguns deles nem mesmo seriam eleitos para cargos de vereador.

O deputado federal Marco Feliciano (PL) foi o maior responsável por esses repasses, enviando R$ 33 milhões para Carapicuíba. A cidade ocupa a 16ª posição no número de eleitores do pastor evangélico, com apenas 2.198 votos. Com essa votação, ele ficaria em 16º lugar, entre 20 vereadores da cidade. Já para Orlândia, sua cidade natal, Feliciano destinou apenas R$ 500 mil em emendas Pix, embora lá tenha recebido três vezes mais votos.

A reportagem questionou todos os parlamentares evangélicos sobre a razão pela qual destinam tantas emendas Pix para Carapicuíba. Por meio de sua assessoria, o pastor Marco Feliciano afirmou que não há “nenhum tipo de direcionamento” por parte da bancada evangélica e explicou que Carapicuíba é uma cidade de grande porte.

Por sua vez, a Prefeitura de Carapicuíba defende que o fato de ser a campeã na destinação de emendas Pix “é fruto do bom relacionamento do município com os gestores e parlamentares de diferentes partidos e orientações políticas”.

No top 10 de parlamentares que mais enviaram esse tipo de emenda para Carapicuíba desde 2020, apenas três não são evangélicos. Entre eles está o ex-deputado Alexandre Frota (PSDB), que destinou R$ 27 milhões à cidade.

Veja a lista dos parlamentares que mais enviaram emendas:

  • Pr. Marco Feliciano (PL) – R$ 33.933.674,00
  • Alexandre Frota (PSDB) – R$ 27.162.883,00
  • Vinicius Carvalho (Republicanos) – R$ 17.900.000,00
  • Milton Vieira (Republicanos) – R$ 16.468.311,00
  • Eli Corrêa Filho (União Brasil) – R$ 12.219.360,00
  • Gilberto Nascimento (PSC) – R$ 7.443.813,00
  • Jefferson Campos (PL) – R$ 6.869.682,00
  • Abou Anni (União Brasil) – R$ 5.960.000,00
  • Bruno Ganem (Podemos) – R$ 4.955.054,00
  • Roberto de Lucena (Republicanos) – R$ 4.887.627,00
  • David Soares (União Brasil) – R$ 4.500.000,00

A explosão das emendas Pix para Carapicuíba ocorreu durante a gestão do ex-prefeito Marcos Neves (PSDB), e atualmente o cargo é ocupado por José Roberto (PSD), seu apoiador.

Falta de transparência na mira do Tribunal de Contas

Desde o ano passado, políticos e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm discutido a transparência das emendas Pix, com risco de bloqueio nos repasses desses recursos. Na última terça-feira (1º/4), o ministro Flávio Dino, do STF, renovou a exigência de que estados e municípios apresentem planos de trabalho ao Tribunal de Contas da União (TCU). A Corte identificou, em seu último relatório, que 6.247 emendas ainda não possuem a devida transparência.

De acordo com o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE), dois terços dos municípios paulistas já fornecem algum tipo de informação sobre o uso das emendas Pix. Carapicuíba, que se encontra no terço das cidades com falta de transparência, foi alvo de uma recomendação em 2022, solicitando mais detalhes sobre os repasses.

No ano seguinte, o órgão realizou uma investigação sobre 100 municípios, incluindo Carapicuíba, “onde foram notadas falhas no envio e nas respostas sobre o tema”. As informações estão registradas no processo de contas municipais de 2023.

A prefeitura, no entanto, nega a falta de transparência e afirma que as informações estão disponíveis no portal Transferegov. No entanto, a reportagem encontrou várias emendas com apenas dados básicos, como os ministérios cobrando informações como o local e o serviço executado.

Por exemplo, uma emenda de R$ 1,5 milhão do deputado e pastor Jefferson Campos (PL-SP) foi destinada a vários projetos, como campo de futebol e recapeamento asfáltico de uma avenida. O Ministério das Cidades, no entanto, informou que estão faltando dados, como a localização das obras, se serão realizadas em áreas urbanas ou rurais e as medidas do trecho recapeado.

Outra emenda, de R$ 6 milhões do pastor Marco Feliciano (PL-SP), foi destinada a obras de infraestrutura, compra de cestas básicas e acolhimento de crianças. No dia 25 de março, um parecer do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social afirmou que “as informações estão incompletas e não permitem concluir a análise”.

Cadê minha emenda?

O desencontro de informações tem gerado insatisfação até entre os parlamentares. A deputada federal Ely Santos (Republicanos) destinou R$ 200 mil para a compra de um castramóvel, a pedido do vereador Sheriff Paulo Costa (Mobiliza). No entanto, o painel do governo federal mostra que o recurso foi usado para “manutenção de infraestrutura”, sem especificar qual obra recebeu o valor.

Dois ministérios se manifestaram sobre o recurso. O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional afirmou que a demanda não se aplica à pasta, enquanto o Ministério da Economia solicitou que as informações enviadas fossem complementadas.

“A verba foi liberada no início de dezembro e eu perguntei ao vereador. Ele me disse que fez o pedido, mas o prefeito não me respondeu sobre o que foi feito com o dinheiro. O que eu sei é que o castramóvel não foi comprado”, declarou a deputada ao Metrópoles.

A própria reportagem mandou e-mail e ligou para a cidade, mas não recebeu qualquer retorno inicialmente. O Metrópoles só foi atendido porque foi pessoalmente procurar a assessoria de imprensa da prefeitura, que afirmou ser falsa a informação de que o recurso não seria usado para o veículo de castração de animais, e que a verba ainda estava no caixa da prefeitura.

Roberto Lucena (Republicanos), hoje secretário estadual de Turismo, mandou emenda Pix de R$ 4,8 milhões na época em que era deputado. Segundo ele, a emenda foi enviada para a área da saúde. No sistema do governo federal, consta que aproximadamente metade do valor foi gasto em recapeamento de “vias diversas”. O resto em ações como tratamento de resíduos sólidos e construção de um vestiário e pista de caminhada.

“Por decisão da mesa diretora da Câmara, todas as indicações de emendas foram linearmente suplementadas neste ano. Essa foi destinada à área da Saúde”, disse Lucena. “O plano de trabalho apresentado pelo município ao governo federal ocorreu quase nove meses depois da indicação, quando eu já não estava no exercício do mandato, portanto sem acesso ao sistema”, respondeu o secretário.

Obras paradas ou malfeitas

Apesar da grande fatia de dinheiro recebido por Carapicuíba, a cidade ainda enfrenta problemas com obras paradas ou malfeitas. Um símbolo do problema é o esqueleto de uma creche que, há alguns anos, virou um exemplo do desperdício de dinheiro público na cidade.

O prédio na Vila Veloso, que consta de levantamento de obras paralisadas ou atrasadas do TCE, está todo pichado e mostra os sinais do tempo. A obra, iniciada em 2016, foi paralisada há cerca de três anos, segundo funcionários, que voltaram recentemente ao local, disseram à reportagem.

Mesmo obras já terminadas também sofrem com problemas de qualidade. Moradores do Parque Jandaia relataram que a rua onde residem voltou a ter problemas logo após ser recapeada no ano passado. “Aí já tá aparecendo esse buraco aí. A tendência dele é aumentar, porque, à medida que chove, o ônibus vai passando e vai ali, ó. Inclusive quando o que passa ali, aquilo ali funda”, disse o aposentado Jaime Dias de Oliveira, 64.

O que diz a Prefeitura de Carapicuíba

A Prefeitura de Carapicuíba afirma atuar com transparência na administração dos recursos, publicando informações sobre as transferências especiais no Diário Oficial, notificando órgãos de controle e disponibilizando dados no site oficial e no sistema Transferegov.

Com esses recursos, diz a cidade, inaugurou o Pronto Atendimento Bruno Covas, maior unidade de saúde municipal, além de investir nos centros de Educação, Esporte, Arte e Cultura, novas unidades de saúde, modernização da iluminação pública, recapeamento de ruas, revitalização de parques e melhorias viárias.

A prefeitura diz que as transferências especiais agilizam processos burocráticos, garantindo benefícios diretos à população sem comprometer recursos fixos do município. A obtenção de emendas Pix é atribuída ao bom relacionamento com gestores e parlamentares de diversas orientações políticas.

Com informações do Metrópoles.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/falta-de-transparencia-deputados-da-bancada-evangelica-transformam-cidade-paulista-em-paraiso-das-emendas-pix/