13 de junho de 2025
Fraude no INSS: ministro do TCU incluiu brecha em acórdão
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O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Aroldo Cedraz incluiu por conta própria, e contrariando a posição da área técnica da corte, um dispositivo em acórdão que flexibilizou a forma de revalidação dos descontos associativos aplicados a aposentados e pensionistas do INSS. A medida, tomada em junho de 2024, acabou favorecendo entidades que são alvo de investigação da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU) por suspeita de fraudes bilionárias em consignações indevidas.

O objetivo original da revalidação era impedir descontos fraudulentos nos benefícios previdenciários. Entretanto, o acórdão de Cedraz permitiu que, em vez de assinatura eletrônica ou biometria — métodos considerados mais seguros —, fosse aceita uma combinação de documentos simples: termo de filiação, autorização e documento de identidade, que poderiam ser enviados pelas próprias associações, por meio eletrônico.

A área técnica do TCU não havia tratado da revalidação de descontos já existentes, focando apenas nos novos cadastros e propondo um prazo para que a biometria fosse implementada como requisito obrigatório. Cedraz, no entanto, argumentou que a ausência de um modelo para tratar os descontos vigentes poderia levar à continuidade de cobranças irregulares.

“Se adotasse pura e simplesmente a proposta da unidade técnica, haveria o risco da manutenção de descontos indevidos que já estavam inseridos”, afirmou o ministro no voto.

Instrumentalização do acórdão

A decisão acabou sendo utilizada como justificativa pelo então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, para autorizar o desbloqueio em massa de descontos associativos, sem participação dos beneficiários. Ao ser questionado sobre a medida em entrevista à Folha de S.Paulo, Stefanutto citou o acórdão do TCU como respaldo jurídico.

Na prática, quando o INSS aprovava uma nova associação, o desconto correspondente era inserido no sistema, mas bloqueado até que o beneficiário confirmasse a adesão por meio do aplicativo Meu INSS. Como muitas entidades reclamavam da dificuldade dos segurados em realizar esse processo, Stefanutto determinou o desbloqueio em lotes, sem qualquer manifestação individual.

A interpretação foi rebatida pelo próprio Cedraz, que negou que o acórdão tenha autorizado esse tipo de ação:
“É totalmente falsa a afirmação que o TCU autorizou o desbloqueio em lote de descontos associativos. Pelo contrário, a cautelar proibiu a realização de qualquer consignação de desconto nos pagamentos dos segurados sem que fosse verificada a inequívoca manifestação de vontade”, disse o ministro.

Tramitação arrastada e pressão no Congresso

Reportagem do site Metrópoles revelou ainda que Cedraz segurou por quase um ano o julgamento de recursos apresentados pelas entidades associativas, o que contribuiu para postergar a definição de regras mais rígidas para os descontos e deu fôlego à atuação das associações investigadas.

Enquanto isso, no Congresso, essas entidades atuavam para revogar a exigência legal da revalidação periódica dos descontos. A regra, originalmente incluída na Medida Provisória 871 de 2019, previa que aposentados e pensionistas precisariam autorizar novamente as cobranças anualmente. A redação foi alterada durante a tramitação legislativa, estendendo o prazo para três anos.

Em 2021, o Congresso aprovou um novo adiamento, empurrando o início da contagem para 31 de dezembro de 2022. Por fim, em 2022, a obrigatoriedade da revalidação foi inteiramente revogada com a sanção da lei que criou o Programa de Simplificação do Microcrédito Digital para Empreendedores.

A brecha legal, somada à interpretação flexível do acórdão do TCU e à fragilidade na checagem das autorizações, criou o ambiente ideal para o avanço das fraudes que agora são investigadas pela PF e pela CGU, com estimativa de prejuízo bilionário aos cofres públicos e aos segurados da Previdência.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/fraude-no-inss-ministro-do-tcu-incluiu-brecha-em-acordao-que-favoreceu-entidades-sob-investigacao-da-pf/