Diante do desgaste do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os evangélicos, mais um ministro foi escalado para tentar uma aproximação com essa parcela da população. O titular da pasta dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, vai iniciar na sexta-feira uma ofensiva para tentar abrir um canal de diálogo com o segmento. O gesto ocorre em um momento em que lideranças religiosas no Congresso subiram o tom dos ataques ao governo. A hostilidade cresceu após a bancada evangélica perder força no debate de projetos da pauta de costumes, algo inédito na Legislatura atual.
Os deputados ligados a denominações costumam ter penetração e influência em correntes e partidos de centro. Mas as críticas, principalmente ao projeto de lei que equipara o aborto ao homicídio, se sobressaíram na última semana. O texto chegou a ser liberado para apreciação em plenário da Câmara, mas deu passos para trás na tramitação por causa da reação da opinião pública e do Executivo. Ontem, o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) tomou posse como presidente da Frente Parlamentar Evangélica, defendendo pautas de costume. Ele substituiu Eli Borges (PL-TO), que deixou o posto dizendo que Lula busca aproximação, mas “age contra os interesses” do segmento.
Evangélicos e PT voltaram a ficar em lados opostos ontem, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que aprovou a proposta que legaliza os jogos de azar.
Rejeição em pesquisa
A última pesquisa Datafolha sobre a avaliação do governo federal mostra que a gestão Lula tem seus piores índices justamente entre os evangélicos. De acordo com o levantamento, 44% desse segmento da população considera o governo ruim ou péssimo, resultado que se manteve estável frente a março (43%), mas cresceu seis pontos percentuais na comparação com dezembro (38%). No quadro geral, a avaliação negativa é de 31%, enquanto no recorte entre os católicos fica em 25%.
Para reagir a esse cenário, Silvio Almeida, em uma estratégia alinhada com o Planalto, vai se juntar a Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Márcio Macêdo (Secretaria-Geral) na tentativa de criar pontes. Macêdo tem recebido pastores, assim como Messias, que nos últimos dois anos chegou a representar o governo na Marcha para Jesus de São Paulo. O ministro da AGU é evangélico da Igreja Batista.
— Estou dialogando com organizações católicas, com evangélicos. Recebo pastores e padres, e (Alexandre) Padilha (ministro das Relações Institucionais) tem dialogado com a bancada evangélica. (Jorge) Messias (advogado-geral da União) tem conversado com lideranças — disse Macêdo, em entrevista ao GLOBO.
O ministro dos Direitos Humanos dará uma palestra na Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo. De acordo com aliados, essa será a primeira de uma série de visitas a templos. A avaliação na pasta é que as igrejas evangélicas podem contribuir com a implementação de pautas ligadas aos direitos humanos, porque costumam ter atuação em bairros periféricos das grandes cidades.
Interlocutores dizem ainda que o ministro pretende, durante essas visitas, colocar a sua pasta à disposição e entender quais são as principais demandas dos líderes religiosos. Na visita à Igreja Batista de Água Branca, Silvio participará do evento Conversas Pastorais, em que dará uma palestra com o tema “A igreja e a agenda nacional de direitos humanos”. A denominação é considerada progressista.
A gestão petista enfrentou, na semana passada, mais um confronto com lideranças evangélicas por causa da aprovação do regime de urgência do projeto de lei que equipara o aborto ao homicídio. O texto é de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), uma das principais lideranças da bancada.
Na votação do regime de urgência na Câmara, a bancada do governo não assumiu posição em relação ao texto. Silvio Almeida foi um dos poucos ministros que se posicionaram antes da análise em plenário, ao classificar o texto como “vergonhosamente inconstitucional, pois fere o princípio da dignidade da pessoa humana e submete mulheres violentadas a uma indignidade inaceitável”. Lula só criticou o projeto três dias depois de os deputados aprovarem a tramitação mais rápida na Casa — sem análise em comissões e com apreciação diretamente em plenário.
Eli Borges, ex-líder da bancada evangélica, reclama da oposição do governo ao projeto e afirma que não há gestos concretos do Executivo para o segmento.
— O Lula vive de retórica, vive falando da importância dos evangélicos, mas age sempre contra os nossos interesses. Não me recordo dele reconhecendo as nossas bandeiras. Ele vetou matérias caras para nós e já se posicionou contra o projeto — afirma Borges, sobre o PL do Antiaborto. — Na prática, não vejo como a relação dele conosco piorar. Já é ruim. Não vi gestos dele, até hoje, para dialogar conosco. Conversei uma única vez com o Alexandre Padilha, mas não sou procurado por ministros do Lula no cotidiano.
PEC das Igrejas parada
O novo presidente da frente, o deputado Silas Câmara, vai na mesma linha e diz que os diálogos recentes do Ministério da Fazenda com deputados para alinhamento do texto final da PEC das Igrejas não bastam. A iniciativa garante isenções para compras de insumos e produtos para os templos.
— Muito mais importante do que uma pauta econômica é o respeito às pautas de costume. Lula pode mandar ministros nos procurarem, mas pouco adiantará, enquanto ele não deixar de se opor a todos os nossos pleitos ideológicos — diz Silas.
Câmara tem como um dos principais objetivos do seu mandato a promulgação da proposta. O texto, que deveria ter sido aprovado até a Semana Santa, segue parado por divergências da própria bancada. Um dos principais expoentes do segmento religioso, Cezinha de Madureira (PSD-SP) se opôs à versão apresentada por Marcelo Crivella (Republicanos-RJ). Para Cezinha, detalhes do texto podem abrir brechas para que direitos já adquiridos, como o pagamento de tributos pela ocupação de terrenos, sejam contestados.
Cezinha assegura que o texto é costurado com a colaboração de lideranças das principais igrejas do país. Crivella, por sua vez, já externou a aliados que a demora em permitir a promulgação da PEC se deveria a uma suposta “resistência de uma ala da bancada evangélica em permitir que Lula faça um aceno para o segmento religioso”. Câmara afirma que intermediará os diálogos para que a PEC vire realidade até julho.
Com informações de O Globo
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