21 de setembro de 2024
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Em uma cidade marcada pela disputa de territórios entre facções e milícias, equipar a guarda civil municipal com armas de fogo deve entrar no centro do debate eleitoral. O Rio de Janeiro tem mais de 7 mil agentes municipais, que hoje usam apenas equipamentos não letais.

Para especialistas, o debate parte de uma premissa errada, a de que a prefeitura só pode fazer segurança pública lançando tropa armada nas ruas. No Rio, a ideia de armar agentes da prefeitura é mais arriscada por causa da dinâmica do crime organizado e da relação dele com o poder público.

A capital fluminense teve 1.325 homicídios ao longo do ano passado, uma taxa de 21,3 assassinatos para cada 100 mil habitantes, conforme o Atlas da Violência 2024. Com índices puxados pela cidade do Rio, o Estado registrou a segunda maior letalidade policial do País, com 871 mortes. Só ficou atrás da Bahia, com 1.699, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. No mesmo período, foram mais de 48 mil furtos e roubos de celulares no Estado.

O debate está vivo na Câmara Municipal. O tema já entrou em pauta 19 vezes desde 2017, quando o projeto de emenda à Lei Orgânica do município foi proposto pelo vereador Jones Moura (PSD) e por outros 20 coautores, entre eles Carlos Bolsonaro (PL) e o governador Cláudio Castro (PL), na época membro do Legislativo municipal pelo PSC.

O assunto voltou a ganhar tração em maio depois que o vice-prefeito, Nilton Caldeira (PL), defendeu a guarda armada e manifestou apoio a um prefeito de Santa Catarina que comprou fuzis para distribuir aos seus funcionários. Enquanto isso, Eduardo Paes (PSD), favorito nas pesquisas de intenções de voto à reeleição, emite sinais dúbios sobre o tema.

Aliados de Paes consultados pelo jornal dizem que o mandatário não oferece resistência à pauta e que ela não foi aprovada durante os últimos quatro anos por falta de consenso entre os parlamentares da base.

Em fevereiro de 2021, pouco depois da posse, Paes divulgou um pacote de ações que pretendia desenvolver. Um dos itens era o apoio ao armamento da guarda. Contudo, o prefeito não quis dar entrevista sobre o tema e evita se posicionar publicamente sobre o ritmo que gostaria de impor na adoção dos armamentos.

O secretário municipal de Ordem Pública do governo Paes, Brenno Carnevale, defende o emprego das armas pelos funcionários municipais. Em audiência pública em maio deste ano, Carnevale afirmou que já existem estudos e planejamento para a adoção de equipamentos letais.

“Vai se dar com critérios técnicos, de controle e de treinamento para proteger o guarda e a população. A prefeitura tem a Ronda Maria da Penha, o BRT seguro, onde o armamento dos agentes vai fortalecer a segurança da população carioca. A Guarda Municipal já está no sistema de segurança pública e a mudança da legislação seria uma correspondência à legislação federal”, afirma Brenno Carnevale, secretário municipal de Ordem Pública

Principal adversário de Eduardo Paes na corrida pela prefeitura, o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) afirma que a segurança será o principal tema da eleição do Rio e que armar a guarda municipal é uma de suas prioridades, caso seja eleito.

Apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Ramagem diz que os agentes, hoje, foram jogados para funções desviadas enquanto deveriam estar fazendo um trabalho “complementar” ao da Polícia Militar.

“Há uma carreira toda torta na guarda. Parece uma vontade de haver só conluios políticos para progressão. Temos que trazer, logo no primeiro dia de janeiro, um edital de concurso para mais guardas municipais e, com certeza, armar a guarda municipal”, disse ao Estadão/Broadcast.

Autor da proposta em discussão na Câmara, o vereador e guarda municipal há quase três décadas, Jones Moura, afirma que a instituição, da forma como trabalha hoje, “não serve para nada”, apesar do poder de polícia garantido em lei. Segundo ele, interessa à gestão municipal manter a guarda sem força para que a responsabilidade pela violência na cidade seja transferida ao governo do Estado.

“Sabe o que os guardas do Rio fazem? Nada. Tiram mendigo de banco de praça, vigiam banco de escola. Isso é função de polícia? Não serve para nada. Os guardas são desviados para outras funções porque querem jogar a culpa da violência no governador”, disse.

Pesquisadora em segurança pública e professora da FGV/Ebape, Joana Monteiro afirma que as prefeituras focam em armas de fogo, mas negligenciam uma série de medidas que trariam resultados concretos para a segurança pública.

Monteiro destaca que o caso Marielle, por exemplo, mostrou que a questão fundiária está diretamente ligada à segurança pública. A gestão do tema é responsabilidade da prefeitura, assim como são o combate ao transporte irregular e a oferta de ações sociais que previnam adolescentes de terem contato com o crime.

“O que acho mais complicado é a ideia de que segurança pública, no nível municipal, é sinônimo de guarda municipal e que se ela não for armada não tem nada para fazer”, diz Joana Monteiro, pesquisadora da FGV/Ebape.

A pesquisadora afirma haver, como pano de fundo, um interesse de partes da categoria em disputar um mercado ilegal no qual policiais militares já atuam. Nas folgas, é comum, embora irregular, que policiais façam serviços de segurança privada para comércios e condomínios.

“Ao fim e ao cabo, eles querem, na ponta, virar segurança privada. Existe um mercado privado de proteção muito forte. Claro que a arma é acautelada pelo Estado, mas liberá-las vai facilitando esse caminho”, diz.

Na avaliação da pesquisadora, armar a guarda levará, no segundo momento, a debates sobre operações policiais em conjunto com a PM e ao esvaziamento de ações que deveriam ser implementadas pela prefeitura.

“Com arma, a guarda vai para a lógica da polícia, que não privilegia um policiamento de rua, de conversar com as pessoas. E precisamos da guarda para isso, para coisas que a polícia não faz. Não faz sentido dizer que, no Rio, é inevitável ter guarda armada”, defendeu Joana Monteiro,pesquisadora da FGV/Ebape.

O sociólogo Benedito Mariano, ex-ouvidor da PM de São Paulo e ex-secretário de segurança de Diadema (SP), considera que o patrulhamento no Brasil, inclusive nas guardas municipais, tem deixado de ser preventivo para seguir o caminho da repressão.

“O policiamento preventivo é uma lógica de proximidade, de estar presente. Não é um policiamento que visa o confronto. Com a presença física você evita o crime. No Brasil, o policiamento ostensivo que temos é caracterizado pela repressão, pelo confronto, por chegar depois do crime, e não para evitá-lo”, ponderou.

Um estudo do vereador Pedro Duarte (Novo), favorável ao armamento da guarda municipal, mostra que o treinamento para armar os agentes pode custar R$ 255 milhões aos cofres municipais. O levantamento tem como base o valor de R$ 35 mil por agente gastos por São Paulo. O parlamentar defende que os agentes sejam qualificados para atuar com armas de fogo. “Não adianta só autorizar a arma de fogo e mudar a legislação se a categoria não receber o devido apoio da prefeitura, novos uniformes e veículos e um bom armamento”.

O vereador Rogério Amorim (PL), presidente da Comissão Permanente de Segurança Pública da Câmara, defende que os agentes portem armamento letal. “Alguns mitos precisam ser derrubados. Queremos melhorias para a categoria, e a sociedade quer ser defendida. Não dá para deixar tudo nas costas da polícia”, opina.

Para ser aprovada, a mudança na legislação precisa do apoio de 34 dos 51 vereadores em duas votações. O presidente da Casa, vereador Carlos Caiado (União), e o Executivo apoiam a discussão, mas o projeto se arrasta e encontra resistência nos corredores do Palácio Pedro Ernesto.

A vereadora Luciana Boiteux (Psol), uma das parlamentares contrárias ao projeto, argumenta que a Guarda Municipal não deve substituir a Polícia Militar. “Esses guardas têm que ser treinados na proteção dos direitos humanos e cuidar do patrimônio. A Guarda Municipal não é para substituir a PM. Minha posição é radicalmente contrária”, afirmou a vereadora.

Com informações do Estadão.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/guarda-municipal-armada-deve-ocupar-lugar-de-destaque-no-debate-eleitoral-do-rio-de-janeiro/