20 de setembro de 2024
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Em reação ao debate no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as “emendas PIX”, dinheiro sem destino definido que é enviado pelos parlamentares diretamente para a conta dos municípios e estados, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse há duas semanas em entrevista ao jornal GLOBO que o sistema teria que ser aprimorado e que não usa as emendas. Mas dados disponíveis nos portais de consulta do governo federal contradizem o parlamentar, que em 2023 repassou R$ 16 milhões para 32 cidades de Alagoas usando essa modalidade de recursos, segundo informa a coluna de Malu Gaspar, no jornal O GLOBO.

“Talvez aqui os meus amigos não gostem, mas sou muito crítico e eu defendo emendas, mas eu não uso [a emenda] Pix, porque acho que o Pix vai ter que ser aprimorado agora para ter o objeto”, declarou Lira na ocasião.

De acordo com os portais Transferegov, que registra os envios de recursos aos municípios, e o Siop, vinculado ao Ministério do Planejamento, as emendas de Lira foram em boa parte destinadas a cidades administradas por seus aliados e parentes.

O município que mais recebeu foi Canapi, de 15,5 mil habitantes. Governada pelo fiel aliado Vinicius Pereira (PP), recebeu R$ 1,5 milhão em emendas Pix patrocinadas por Lira.

Em seguida vem Campo Alegre, comandada pelo primo do presidente da Câmara, Nicolas Teixeira (PP), que planeja eleger como sucessora outra prima, Pauline Pereira (PP). Com 32 mil habitantes, a cidade recebeu R$ 1.045.532 no ano passado.

Já Barra de São Miguel, que tem menos de 8 mil habitantes e é administrada pelo pai de Lira, Biu de Lira (PP), recebeu na conta da prefeitura meio milhão de reais.

O menor valor foi destinado à paradisíaca Maragogi, no litoral alagoano: R$ 206 mil. A cidade é comandada por outro primo de Lira, Fernando Sérgio Lira Neto (PP).

Esse tipo de repasse, criado em 2019, permite que parlamentares enviem emendas individuais diretamente para a conta de prefeituras e estados sem intermédio do governo federal e dos ministérios, o que dispensa a fiscalização pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e sem detalhar a aplicação da verba.

É justamente esse o principal problema das emendas Pix: o fato de que os municípios não precisam prestar contas do uso do dinheiro, e portanto não se sabe nem se, nem como e nem quando a verba foi gasta.

Na última quarta-feira (7), o procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu ao Supremo a suspensão imediata das chamadas “transferências especiais”, como são chamadas pela Câmara, pelo risco de “danos irreparáveis” ao erário e à ordem constitucional. Gonet classificou o mecanismo como “inadmissível” pela “perda da transparência e da rastreabilidade dos recursos alocados”.

Na entrevista ao GLOBO, Lira disse que a falta de clareza quanto à destinação final do dinheiro é um dos aspectos que precisa de “aprimoramento”.

Mas os dados dos sistemas do governo mostram que nenhum dos municípios beneficiados por Lira com as emendas Pix apresentou até o momento os relatórios de gestão, documentos que detalham o uso do dinheiro. Mas eles só passaram a ser obrigatórios por uma norma do tribunal de janeiro passado que tinha como objetivo garantir mais transparência ao processo e detalhar o uso das emendas.

“De onde nasceu a emenda Pix? Da burocracia do governo. A turma fez uma emenda de transferência direta [para a prefeitura]. Podemos avançar? Podemos. Vamos fazer a emenda Pix com um objeto determinado. Então, ela vai para a construção de uma ponte, vai para a construção de uma escola, vai para a construção de um sistema de água”, declarou na mesma entrevista ao GLOBO.

Questionado por meio de sua assessoria de imprensa sobre a contradição quanto ao uso das emendas Pix, Lira não retornou até o fechamento desta reportagem.

Nós também perguntamos se o presidente da Câmara cobrou das prefeituras beneficiadas a apresentação dos relatórios de gestão referentes ao dinheiro repassado, mas não recebemos resposta. O espaço segue aberto.

Briga por emendas

Criada por uma proposta de emenda à Constituição (PEC) de autoria da presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), e relatada por Aécio Neves (PSDB-MG), as “transferências especiais” surgiram em paralelo com o orçamento secreto e à medida que o Congresso ganhava força em relação ao Executivo, protagonizando diversas disputas pelo controle do Orçamento.

O mecanismo beneficiou parlamentares à esquerda e à direita e foi usado como barganha política tanto nos governos Jair Bolsonaro quanto no de Luiz Inácio Lula da Silva, além de ser um dos pilares da gestão de Arthur Lira à frente da Câmara.

No mês passado, a administração petista chegou a liberar R$ 4,2 bilhões em emendas Pix em um só dia para deputados, no limite do prazo para o pagamento de transferências do Executivo antes do período eleitoral.

As transferências especiais têm sido usadas como artifício do Centrão para turbinar o orçamento de prefeituras neste ano de eleições municipais.

As emendas Pix ganharam ainda mais importância após o STF declarar inconstitucional o orçamento secreto – um outro tipo de emenda sem transparência na aplicação dos recursos cujo nome técnico é RP9.

Essa rubrica permitia a destinação de verbas através do relator do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) sem a identificação da autoria ou dos critérios para a aplicação. Quando ela deixou de existir, os recursos precisaram ser redirecionados e passaram a ser disputados entre o Congresso e o Planalto.

Essa disputa esteve no centro da guerra entre Arthur Lira e o governo do PT, no ano passado, e levaram à ampliação dos recursos previstos para várias outras modalidades de emendas. As transferências do tipo Pix, por exemplo, saltaram de R$ 6 milhões em 2023 para mais de R$ 8 bilhões neste ano. Em 2021, eram de apenas R$ 2 bilhões.

Mas os recursos podem estar com os dias contados, a depender da ação movida por Paulo Gonet.

O Supremo já analisa uma ação direta de inconstitucionalidade contra as emendas Pix, movida pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), relatada pelo ministro Flávio Dino. Na semana passada, o magistrado determinou que as emendas sejam transparentes e rastreáveis e que a Controladoria-Geral da União (CGU) realize uma auditoria nos repasses em até 90 dias, além de obrigar parlamentares a detalhar o destino das emendas para que o dinheiro seja liberado.

Embora já exista um processo em curso, Gonet decidiu acionar o STF por entender que a Abraji pode não ter a competência para mover a ADI em questão. Nos autos, porém, o chefe do MPF propôs que a nova ação seja distribuída por prevenção a Dino – o que manteria o processo sob a relatoria do juiz e ex-ministro de Lula.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/lira-diz-que-nao-usa-emendas-pix-mas-enviou-r16-milhoes-a-cidades-comandadas-por-aliados/