O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, disse à equipe da coluna de Malu Gaspar, no jornal O GLOBO, que não vê problemas na decisão do governo Lula de reinstalar a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – desde que o grupo não seja palco de “embates ideológicos” com as Forças Armadas.
“Não tem o menor problema. Desde que não seja um embate ideológico, e sim uma causa humanitária, não tem problema. Vamos cooperar”, disse Múcio à reportagem. “É devolver os mortos às suas famílias.”
Entre as atribuições da comissão estão emitir pareceres sobre indenizações a familiares e mobilizar esforços para localizar os restos mortais das vítimas do regime militar. O retorno das atividades era defendido por grupos de direitos humanos e pela militância da esquerda, mas foi postergado pela administração lulista por mais de um ano devido ao temor do Palácio do Planalto de tensionar a relação com a caserna.
O discurso do ministro da Defesa está alinhado ao do comandante do Exército, Tomás Paiva, que disse em entrevista ao GLOBO no mês passado não se opor à reinstalação da comissão. A fala do comandante foi interpretada por integrantes do governo Lula como um sinal de que havia diminuído a resistência das Forças Armadas ao retorno do grupo.
“Durante o curso do trabalho da Comissão Nacional da Verdade, havia um viés que buscava uma justiça de transição que não existe. Estamos falando de coisas que se passaram há 60 anos. Não vou também fazer juízo de valor pela história, porque não sou historiador. A Comissão Nacional de Mortos e Desaparecidos é uma outra iniciativa. Ela busca que pessoas que perderam entes queridos tenham o direito de saber o que aconteceu. Isso é humanitário. Ninguém pode se opor a esse direito”, afirmou Tomás Paiva na ocasião.
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos vai reunir sete membros, entre representantes do Ministério Público, da sociedade civil e do Ministério da Defesa, e voltará a ser presidida pela procuradora da República Eugênia Augusta Gonzaga, que havia sido afastada do cargo pelo governo Bolsonaro.
Foi Múcio quem escolheu o integrante da Defesa no colegiado – o chefe da Assessoria Especial de Relações Institucionais da pasta, Rafaelo Abritta, que é civil e advogado da União. “Um excelente nome”, afirmou o ministro.
A previsão é a de que no mês que vem ocorra em Brasília a cerimônia que vai marcar o retorno oficial dos trabalhos.
O Ministério dos Direitos Humanos, que comanda a iniciativa, queria anunciar a retomada do grupo no último 25 de outubro, data que marca o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, então diretor de jornalismo da TV Cultura, nas instalações do DOI-Codi em São Paulo, em 1975.
Mas o retorno da comissão não havia avançado na Casa Civil, que acabou exigindo uma nova manifestação do Ministério da Justiça, por conta da troca no comando da pasta, com a saída de Flávio Dino – que já havia dado sinal verde ao retorno do colegiado – e a posse de Ricardo Lewandowski. Em abril, a gestão Lewandowski no Ministério da Justiça seguiu o entendimento de Dino e também deu parecer favorável à reinstalação.
Procurado pela equipe da reportagem, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, disse que o retorno da comissão “significa a retomada da legalidade e do processo de reparação a pessoas que buscam o reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro pelos desaparecimentos e assassinatos ocorridos durante a ditadura”.
“Não há revanchismo que caiba em sua recriação: o que há é a ininterrupta busca por memória, verdade e justiça de que são tributárias todo e qualquer país democrático”, frisou Almeida.
Governo Bolsonaro encerrou atividades do grupo
Criada em 1995 no governo Fernando Henrique Cardoso, a comissão foi extinta por Jair Bolsonaro a 15 dias do fim de sua gestão. Na época, o encerramento das atividades foi aprovado por 4 a 3, com o apoio de todos os membros indicados pelo ex-chefe do Executivo.
Os três votos contrários à extinção dos trabalhos foram da ativista Diva Santana (irmã de Dinaelza Santana, militante do PCdoB e integrante da Guerrilha do Araguaia morta pelos militares); da psicóloga Vera Paiva, filha do ex-deputado Rubens Paiva (sequestrado e torturado pela ditadura); e do procurador Ivan Marx. Os três voltarão a compor o grupo agora.
Completam o colegiado a deputada federal Natália Bonavides (PT-RN), o representante do Ministério da Defesa, Rafaelo Abritta, e a professora universitária Maria Cecília Oliveira Adão, representante da sociedade civil.
Um dos principais objetivos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos será retomar a identificação de ossadas encontradas na Vala Clandestina de Perus, na zona oeste de São Paulo, local usado pelos militares para esconder o corpo de opositores do regime.
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Fonte: https://agendadopoder.com.br/ministro-da-defesa-diz-nao-se-opor-a-comissao-recirada-por-lula-que-apura-crimes-da-ditadura-e-devolver-os-mortos-as-suas-familias/