23 de outubro de 2025
Como Tarcísio promete despoluir o Tietê e reduzir conta da
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Antes de ser privatizada pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) enfrentou forte resistência de partidos de esquerda, que alertavam para o risco de aumento na conta de água e esgoto. As acusações eram feitas sobre o temor de que a privatização privilegiasse o lucro da nova controladora em detrimento do consumidor.

O alarde, no entanto, não se confirmou. Vendida por R$ 14,8 bilhões em 2024, a Sabesp tende a se tornar não apenas um dos principais marcos da gestão Tarcísio em São Paulo, como também uma referência internacional em saneamento, sobretudo pelas regras criadas para proteger o consumidor e manter tarifas acessíveis.

A desestatização já rendeu dois prêmios internacionais em 2025: o de mais importante operação do mercado de ações da América Latina, concedido pela International Financing Review (IFR), considerado o Oscar do mercado financeiro, e o de “Equity Follow-On of the Year”, da revista LatinFinance.

Fundo do governo Tarcísio usa dividendos da Sabesp para conter reajustes

Criado a partir de estudos sobre experiências internacionais que fracassaram em privatizações do setor, o modelo paulista desenvolveu um arranjo regulatório próprio: o Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento (Fausp). O mecanismo recebe os dividendos do governo estadual e atua como amortecedor financeiro, evitando que os investimentos da Sabesp se traduzam em aumento de tarifa.

Instituído por meio de lei aprovada em dezembro de 2023 e regulamentado por decreto em setembro de 2024, o fundo é desenhado para segurar reajustes e financiar descontos nas contas de água e esgoto, assegurando que as tarifas da companhia fiquem abaixo do que seriam praticadas no modelo estatal.

“Fizemos benchmarking no mundo inteiro e não existe um modelo contratual como esse que foi estabelecido pela Sabesp, principalmente com a participação do fundo para amortização das contas”, afirma Samanta Souza, diretora-executiva de Relações Institucionais e Sustentabilidade da Sabesp.

Iniciado com um aporte de R$ 4,44 bilhões, equivalente a 30% do valor da venda da Sabesp, o Fausp continua sendo alimentado pelos dividendos do governo paulista, que mantém 18,3% das ações da companhia.

Fundo amortizará investimentos de R$ 70 bilhões em cinco anos

Para explicar o funcionamento do fundo, Samanta Souza, que atua há mais de 25 anos na Sabesp e foi subsecretária estadual de Recursos Hídricos e Saneamento Básico, compara o sistema a um condomínio. “A conta é calculada como em um prédio, em que todos os custos são rateados entre os moradores. Em saneamento é igual, todos os custos de água e esgoto, mais os investimentos na região, são rateados pelos usuários”, diz.

“Quando foi feito o processo de desestatização, com uma meta bastante arrojada de universalização até 2029, os investimentos previstos eram grandes. Serão R$ 70 bilhões em cinco anos, mas o impacto desse volume de investimentos não vai se refletir na conta porque o fundo vai amortecer os investimentos trazidos com a privatização”, completa.

De acordo com Souza, após a desestatização houve redução média de 0,6% nas tarifas dos usuários atendidos pela Sabesp. A diminuição fez parte das alterações no contrato de concessão e passou a valer em agosto de 2024.

Pelas novas regras, clientes residenciais comuns tiveram desconto de 1% na conta; comerciais e industriais, de 0,5%; e famílias vulneráveis, de 10%. Sobre o valor final incidem ainda correções monetárias.

O contrato prevê que o Fausp poderá ser utilizado até que a tarifa cobrada pela Sabesp privatizada se equipare ao valor que seria praticado se a companhia ainda fosse estatal. “Em 2022, todas as empresas de saneamento precisaram apresentar seus planos de universalização até 2033 e os investimentos necessários. A Sabesp apresentou seu cenário, e ele é usado como parâmetro para a aplicação dos recursos do fundo”, explica a diretora.

A legislação prevê ainda que o fundo possa ser acionado em situações de emergência ou calamidade pública decorrentes de eventos climáticos extremos, reconhecidos por decreto do governador, para financiar ações de saneamento e saúde pública.

Tarifa Social Paulista amplia desconto da Sabesp para famílias de baixa renda

Em julho deste ano, o governo Tarcísio criou a Tarifa Social Paulista, modelo que utiliza recursos do Fausp para ampliar descontos nas contas cobradas pela Sabesp a famílias em vulnerabilidade social, de acordo com a renda per capita. O programa prevê três faixas de desconto:

  • Vulnerável: 78% para famílias do CadÚnico com renda de até um quarto do salário mínimo;
  • Social I: 72% para famílias com renda de até meio salário mínimo, desempregados com último salário de até três mínimos, idosos com BPC e moradores de habitações sociais;
  • Social II: 50% para moradores de núcleos urbanos informais, aplicável ao consumo de até 15 mil litros por mês, com duração de dois anos. Após esse período, o programa emite alertas e extingue o benefício gradualmente, caso a família não se enquadre nas outras duas categorias.

Segundo o governo, 900 mil domicílios foram incorporados à nova rede de beneficiários da Sabesp, o que representa cerca de 2,2 milhões de pessoas.

Especialista afirma que subsídio cruzado é essencial para equidade

Para Claudio Frischtak, consultor da Inter.B, o modelo paulista acerta ao limitar o subsídio aos primeiros metros cúbicos consumidos, mantendo a tarifa social focada em quem mais precisa.

“Depois que tudo estiver universalizado, os investimentos e a pressão sobre a tarifa vão diminuir. Mas, neste momento de expansão, quem já tem acesso ao saneamento básico deve pagar por quem ainda não tem? Acredito que sim. É um problema de equidade, e esse sistema só funciona com subsídio cruzado”, avalia.

Frischtak defende que o novo modelo aproveita ganhos de eficiência da gestão privada. “Todos sabemos que a maior parte das empresas estatais tem muita gordura ou ineficiências, principalmente as que operam como monopólios naturais. A privatização busca realocar essa gordura, reduzindo ineficiências e transformando ganhos em investimentos”, diz ele.

“Para isso, é preciso uma boa regulação e o cumprimento de obrigações contratuais, a exemplo de universalização de serviços. Supõe uma boa governança, sem interferência política, e uma gestão voltada para resultados. É o contrário que se observa nos Correios, cada vez mais frágil e dependente de recursos públicos para não quebrar”, compara o consultor, referindo-se aos prejuízos da estatal, que repassa seus dividendos à União.

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Com privatização da Sabesp, Tarcísio promete despoluir o Tietê até 2029

De acordo com a diretora-executiva de Relações Institucionais e Sustentabilidade da Sabesp., a quantidade de domicílios com coleta e tratamento de esgoto dobrou após a desestatização, alcançando 1,8 milhão de residências, o que representa cerca de 5 milhões de pessoas atendidas.

“Em 2029 vamos concluir toda a retirada de esgoto gerado na região metropolitana de São Paulo. Já temos resultados desse primeiro ano: a mancha do rio Tietê teve redução de 30 quilômetros”, afirma.

Souza acrescenta que, desde 1992, quando começou o projeto de despoluição do rio, o avanço médio do atendimento foi de 1% ao ano. Agora, a meta da Sabesp é aumentar para 7% ao ano, com a ampliação das estações de tratamento.

“As sanções do contrato são pesadíssimas se a Sabesp não entregar a universalização do saneamento básico. Não tem muita opção, nós vamos entregar”, conclui Samanta Souza.

Caso as metas sejam cumpridas, o governo paulista prevê que até 2029 todo o esgoto gerado na Grande São Paulo esteja tratado, reduzindo drasticamente a poluição dos rios Tietê e Pinheiros e consolidando o modelo como referência internacional em eficiência e tarifa social.

Até lá, muitas águas ainda vão rolar. Mas o modelo criado em São Paulo, com mecanismos financeiros sólidos e garantias contratuais robustas, torna mais próximo da realidade o antigo sonho paulista de ver o Tietê despoluído e com uma conta de água que cabe no bolso do consumidor.

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/sao-paulo/modelo-inovador-sabesp-reduz-tarifa-agua-tarcisio/