24 de novembro de 2024
MP diz que deputada Lucinha orientou como motoristas ligados a
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A denúncia do Ministério Público contra a deputada Lúcia Helena Pinto, a Lucinha (PSD) e uma assessora narra como a parlamentar articulou e orientou como milicianos deveriam se comportar em uma reunião com a prefeitura do Rio. Segundo o documento, assinado pelo procurador-geral de Justiça Luciano Mattos, elas “realizaram numerosas e coordenadas tentativas de interferência” na prefeitura para manter a chamada “Brecha da P5”. Nesta quinta-feira, o Conselho de Ética da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) decidiu pelo arquivamento das denúncias.

O termo faz referência à Área de Planejamento 5 (AP5), que corresponde à área da Zona Oeste em que a milícia atua, e que, durante a realização de estudos, permitiria que o transporte alternativo circulasse fora do itinerário determinado. Isso ajudaria na arrecadação das vans, uma das principais fontes de recursos à milícia.

“A parlamentar atuou de forma aguerrida na defesa dos interesses econômicos da malta a qual integram, em detrimento da sociedade”, diz treco da denúncia.

Mensagens interceptadas pela investigação mostra que em 9 de setembro de 2021 mostra que Lucinha teria pedido para o miliciano Domício Barbosa, o Dom, ajuda para montar o local que receberia os representantes da prefeitura onde ela iria tratar do tema das vans. Logo depois, a parlamentar começa a pedir informações se os veículos estão legalizados e orienta: “É para estar todos os carros na reunião”. Dom responde: “pode deixar que vou mandar os motoristas com os carros”.

Conversas de Lucinha — Foto: Reprodução

No dia seguinte, ela volta a falar com Domício e marca um encontro com ele no Centro Social de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio para os dois “acertarem tudo”. O miliciano diz que tinha conseguido as lonas, cadeiras e café da manhã para a reunião do dia seguinte. E Lucinha orienta a como os motoristas deveriam se comportar:

“Vou chegar às 7h30. Pede para os 2 que vão falar me procurar. Vocês já orientam a eles para falarem e perguntar também. Orienta também para quando eu falar defendendo o transporte alternativo para baterem palmas. Para eles saberem que nós estamos juntos”

Lucinha publicou em suas redes sociais fotos do encontro: “começamos tendo reunião com os representantes dos transportes alternativos regularizados, para ouvir suas demandas e assegurar que esses possam seguir com seu trabalho e sustentando suas famílias e pagando as prestações das vans, de forma digna”. Em seguida, concluiu: “teremos uma reunião no gabinete do prefeito com a secretaria de transporte e de ordem pública, para ouvir representantes dos motoristas”.

Reunião de Lucinha com motoristas de vans ligados à milicianos, segundo o MP' — Foto: Reprodução
Reunião de Lucinha com motoristas de vans ligados à milicianos, segundo o MP’ — Foto: Reprodução

Segundo, as investigações do Ministério Público essa segunda reunião também ocorreu. Lucinha volta a mandar mensagens para Domício com novas orientações de como os motoristas deveriam se portar no encontro na sede da prefeitura do Rio:

“Por favor, mande as pessoas que conhecem tudo sobre transporte alternativo. Eu irei. Preciso que você marque com eles para nos encontrarmos às 9h” escreveu.

O encontro ocorreu com representantes da prefeitura, Eduardo Paes e o secretário de Ordem Pública Brenno Carnevalle.

Em depoimento ao Ministério Público, Paes confirmou ter participado dos dois encontros a pedido de Lucinha. Ele contou que “a Parlamentar não costumava se envolver em assuntos relacionados ao transporte alternativo” e “provavelmente foi a única oportunidade que a Deputada fez pedidos ao depoente referente a transporte alternativo”.

Já Brenno Carnevalle contou que “a Deputada Lucinha estava presente com o papel de endossar as pautas apresentadas” , que “poucas vezes foi abordado por ela” e “dentre esses contatos, só viu a Deputada Lucinha tecer comentários sobre transporte alternativo nas reuniões dos dias 12 e 14 de setembro de 2021”.

Exonerados

Procurada, a prefeitura do Rio afirmou que “que toda e qualquer decisão sobre o sistema é feita de forma uniforme em toda a cidade” e que “não há qualquer interferência política nas decisões tomadas sobre o tema”.

O município também afirma que o servidor Vancler Pascoal de Oliveira foi exonerado do cargo de gerência da Comlurb em 2023 após “o recebimento de denúncias quanto a sua atuação à frente da gerência em Santa Cruz para que as supostas irregularidades fossem apuradas e as providências finais sejam tomadas”.

Já o gerente executivo local de Santa Cruz, Marcus Azevedo de Freitas, a prefeitura do Rio diz que nunca foi informada de algo “que desabonasse a sua conduta”. Apesar de não ter sido comunicada oficialmente pelo MP, “ele será exonerado do cargo até que as acusações sejam esclarecidas.”

Apelido ‘Madrinha’

Em depoimento ao se entregar na véspera do Natal de 2023, o miliciano Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, admitiu que dentro da organização criminosa Lucinha (PSD) era chamada de “madrinha”. O chefe da milícia da Zona Oeste do Rio, onde a parlamentar também tem seu reduto eleitoral foi denunciada pelo Ministério Público do Rio por ser o braço político da milícia. O documento é assinado pelo procurador-geral de Justiça Luciano Mattos e narra também diversos encontros que a parlamentar teve com o miliciano Domício Barbosa de Souza, conhecido como Dom, na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Lucinha sempre negou as acusações.

“Por fim, saliente-se que o próprio líder da ORCRIM (organização criminosa), Luís Antônio da Silva Braga, “Zinho”, quando ouvido em 24/12/2023, além de confirmar a alcunha de “Madrinha” da primeira denunciada (Lucinha), afirmou que Domício era o único responsável pelo controle das vans, exercendo o controle total, incluindo pagamento, organização e recolhimento de valores de todas as áreas dominadas pela súcia”, diz trecho da denúncia.

Alerj ponto de encontro com milicianos

As conversas interceptadas mostram que a assessora Ariane Lima, também denunciada, chegou a pedir que fizessem um crachá para o criminoso em novembro de 2021. Lucinha sempre negou as acusações.

“No curso dos diálogos, foi possível verificar que DOMÍCIO e a denunciada DEPUTADA LUCINHA e/ou sua Assessora Parlamentar, a denunciada ARIANE, marcaram encontros e efetivamente se encontraram pessoalmente em pelo menos dezessete oportunidades documentadas. Mantendo a média de, ao menos dois encontros mensais no período mencionado, e alguns desses encontros contou com a presença de outros integrantes da malta, notadamente Luiz Antônio da Silva Braga, o “Zinho”, apontado como chefe da associação criminosa ora sob apuração”, diz trecho da denúncia.

Assessora pede que façam crachá para miliciano acompanhar Lucinha — Foto: Reprodução
Assessora pede que façam crachá para miliciano acompanhar Lucinha — Foto: Reprodução

Dois meses antes, os diálogos anexados na denúncia mostram que Lucinha combina diretamente com o miliciano outros encontros, um deles a ser realizado em seu gabinete da Alerj. O assunto seria a Zona Oeste do Rio, reduto eleitoral da deputada e área de controle da milícia de Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho. No encontro, Lucinha — identificada no celular de Dom como “madrinha” — cita o então presidente da Alerj André Ceciliano.

Lucinha teria chamado miliciano para encontro em seu gabinete — Foto: Reprodução
Lucinha teria chamado miliciano para encontro em seu gabinete — Foto: Reprodução

Segundos depois, a conversas interceptadas mostram que Domício Barbosa encaminha o a confirmação do encontro a Andrei Santos de Melo, que segundo as investigações era o braço-direito e o “mensageiro” de Zinho.

Em outubro de 2021, segundo a denúncia do Ministério Público, Domício e Andrei volta a conversar sobre a Alerj. O “mensageiro” de Zinho pede que Dom entre em contato com Lucinha para ela alinhar com “André”. Ele ainda comemora: “Estamos no caminho certo, graças a Deus”.

COnversa entre Domício e Andrei — Foto: Reprodução
COnversa entre Domício e Andrei — Foto: Reprodução

Em nota, o ex-presidente da Alerj André Ceciliano diz “que jamais tomou conhecimento da atuação da deputada Lucinha em prol da milícia e nem recebeu dela qualquer pedido para atuar em interesse desse grupo, com quem jamais se reuniu”.

Conselho de ética arquiva denúncia

O Conselho de Ética da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) decidiu, nesta quinta-feira, arquivar o processo de quebra do decoro parlamentar contra a deputada Lucinha. Conforme adiantou O GLOBO, parte dos deputados entende que ainda não há indícios e provas suficientes para seguir com o processo que poderia terminar com a cassação da parlamentar.

Em nota, a deputada afirmou que “a denúncia é claramente uma perseguição política. As acusações são completamente infundadas e minha inocência será devidamente comprovada nos autos. Assim como demonstramos no Conselho de Ética a minha inocência, também provaremos na Justiça que as denúncias são absurdas e improcedentes”.

A votação teve quatro votos a favor do arquivamento das denúncias — Vinicius Cozzolino (União), Júlio Rocha (Agir), Cláudio Caiado (PSD) e Renato Miranda (PL) — e dois contra, de Martha Rocha (PDT) e Dani Monteiro (PSOL). Já Jorge Felippe Neto (Avante) não pôde votar por conta da proibição de que isso seja feito de maneira virtual. O resultado será enviado para a mesa diretora, que decidirá se vai levar a discussão para plenário ou manterá a decisão do Conselho de Ética.

Votação no conselho de ética da Alerj — Foto: Editoria de Arte
Votação no conselho de ética da Alerj — Foto: Editoria de Arte

A deputada foi afastada em dezembro do ano passado pelo Tribunal de Justiça do Rio por suspeitas de ser o braço política da milícia chefiada por Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho. A organização criminosa domina parte da Zona Oeste do Rio, onde a deputada tem seu reduto eleitoral. Segundo as investigações da Polícia Federal, ela seria chamada de “madrinha” na milícia. Ela sempre negou envolvimento com os criminosos.

Lucinha e uma assessora foram denunciadas no início da semana por organização criminosa. Segundo o Ministério Público, a deputada tinha como função a defesa ou para blindar os criminosos junto ao Poder Público. Ela teria tentado, por exemplo, articular a mudança do comando do 27º BPM (Santa Cruz). No entanto, o fato foi negado em depoimento à PF pelo coronel Henrique Pires, então comandante da Polícia Militar. Cozzolino criticou o oferecimento da denúncia dias antes do Conselho se reunir:

— Pareceu uma tentativa de influenciar o processo na Casa — afirmou.

Procurado, o MP diz que ofereceu a denúncia “em conformidade com as normas legais aplicáveis à espécie após receber o inquérito policial relatado pela Polícia Federal no final de abril deste ano”.

As acusações contra Lucinha

O nome da deputada apareceu na investigação após a quebra do sigilo telemático de Domício Barbosa de Souza, o Dom, um dos operadores financeiros da milícia de Zinho. Conversas mostrariam a interferência da parlamentar para proteger milicianos e para prejudicar bandidos rivais. Lucinha, identificada de “Madrinha” por Domício, e sua assessora parlamentar Ariane Afonso Lima teriam se encontrado pessoalmente com integrantes da quadrilha pelo menos 15 vezes em 2021. De acordo com o MP, Zinho esteve presente em algumas dessas reuniões.

A partir da quebra de sigilo de Dom, pôde-se identificar “outros integrantes da associação” criminosa, quando se chegou ao nome de Lucinha. A decisão do desembargador Benedicto Abicair, em que afastou Lucinha do cargo em dezembro de 2023, elenca cinco momentos em que, a partir das conversas, demonstrou-se “a interferência da parlamentar e de sua assessoria ora para favorecer os interesses da malta, ora para protegê-los das iniciativas das autoridades policiais de combate ao grupo”.

“Madrinha” — codinome que identificava o telefone da deputada Lucinha na agenda do telefone de Dom — chegou a mandar “beijos” e desejar que os milicianos “ficassem com Deus” em um dos diálogos.

Aliada de Eduardo Paes na Zona Oeste do Rio, nas mensagens gravadas em 2021, Lucinha tenta saber o que era melhor para a milícia em um dos pontos mais lucrativos do grupo criminoso: o transporte alternativo. A deputada tenta saber se a milícia é a favor ou contra a liberação de vans da Zona Norte rodarem na Zona Oeste. A prefeitura do Rio nega que há qualquer interferência política no sistema de vans legalizadas da cidade.

As investigações da Polícia Federal, em conjunto com o Ministério Público, apontam que a milícia considerava bom que a prefeitura mantivesse a permissão para que vans da Zona Norte circulassem na Zona Oeste. Dessa forma, a quadrilha lucrava mais com as extorsões.

Com informações do GLOBO.

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Fonte: https://agendadopoder.com.br/mp-diz-que-deputada-lucinha-orientou-como-motoristas-ligados-a-milicianos-deveriam-se-comportar-em-reuniao-com-a-prefeitura-do-rio/