A Controladoria-Geral da União (CGU) identificou que sete Organizações Não-Governamentais (ONGs) que receberam R$ 482,3 milhões em emendas parlamentares entre 2020 e 2024 não possuem a capacidade técnica necessária para realizar os projetos para os quais foram financiadas. Esse resultado faz parte de uma auditoria enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), em atendimento à ordem do ministro Flávio Dino. O documento revela ainda indícios de uso inadequado dos recursos públicos e aponta para a falta de transparência na alocação das verbas.
A análise da CGU abrangeu as dez ONGs que mais receberam recursos provenientes de emendas parlamentares. Entre essas, sete organizações foram consideradas sem a estrutura exigida para cumprir as atividades previstas pelos congressistas. Além disso, o relatório destaca a existência de dois casos que levantam suspeitas de sobrepreço — situação em que os valores orçados ultrapassam as referências de mercado. Um dos episódios avaliados sugere um possível caso de superfaturamento.
Os recursos repassados e monitorados pela CGU incluem emendas individuais, de bancada, de comissão e de relator, além do extinto “Orçamento Secreto”. Essa avaliação surge no contexto das discussões no STF sobre as emendas parlamentares, atualmente com repasses suspensos por determinação do ministro Dino até que sejam estabelecidos novos mecanismos de transparência. Nesse sentido, um projeto de lei foi recentemente aprovado pela Câmara e deverá ser apreciado pelo Senado na próxima quarta-feira.
A CGU deu prioridade à fiscalização das entidades que mais receberam verbas federais nos últimos anos. Um exemplo é a Con-tato, organização sediada no Rio de Janeiro, que foi beneficiada com R$ 195,7 milhões durante o período analisado.
Segundo a CGU, a estrutura administrativa da entidade é insatisfatória, com decisões concentradas em apenas um integrante da diretoria e sem validação por um comitê.
“Os mecanismos de governança da entidade são inadequados, frágeis e desatualizados, impactando a transparência nas operações e nas tomadas de decisões, além de inexistir instâncias que deliberem sobre a execução de projetos”, aponta a auditoria.
De acordo com a avaliação, esse formato atrapalha a formulação e execução de projetos. A auditoria aponta ainda falhas na transparência, como falta de detalhamento nas contratações e planos de trabalho imprecisos, que impedem o monitoramento das ações. “A imprecisão nas especificações das contratações impossibilita afirmar se os objetos contratados foram executados de forma satisfatória”, acrescenta o relatório.
Procurada, a Con-tato disse que todos os seus processos estão públicos nas plataformas do governo e negou irregularidades.
A segunda entidade que mais recebeu emendas foi o instituto Realizando o Futuro, também do Rio, com R$ 106,7 milhões entre 2020 e 2024. Segundo a CGU, a ONG “não possui capacidade técnica e operacional para a adequada execução dos projetos”. Para chegar a essa conclusão, a auditoria aponta que a estrutura física da entidade é insuficiente, os planos de trabalho não têm metas claras e a experiência prévia para desempenhar as tarefas não ficou comprovada. Além disso, foi identificada uma despesa de R$ 2,5 milhões “não revertida” a um projeto bancado com uma emenda de R$ 8,3 milhões do deputado Gurgel (PL/RJ).
Segundo a CGU, o valor se destinava à qualificação profissional de 3,6 mil beneficiários em 40 polos espalhados pelo Rio. O instituto, porém, previu a compra de 6,6 mil kits para contemplar os alunos, quase o dobro do necessário. A auditoria acrescenta que houve outras compras em “patamar significativamente superior ao previsto, injustificadamente. A ONG e o parlamentar não se manifestaram. A ONG disse que tem “corpo técnico qualificado e infraestrutura adequada para a execução dos projetos”. Sobre as despesas que não foram direcionadas ao projeto, a entidade afirmou que pretende fechar um acordo para devolvê-los. O parlamentar não se manifestou.
A ausência de capacidade para executar as ações bancadas com verba pública também foi apontada em relação ao Instituto Léo Moura Sports, que de 2020 a 2024 recebeu R$ 69,2 milhões em emendas. Segundo a CGU, a entidade “não possui infraestrutura técnica e operacional para execução dos projetos”. Os técnicos afirmam que a entidade não tinha experiência anterior e que, após a sua fundação até 2020, quando começou a receber emendas, ficou quatro anos sem movimentação financeira e sem executar qualquer projeto.
Além disso, “não há divulgação de dados detalhados relativos ao recebimento e à execução dos recursos”. Uma das irregularidades encontradas foi um indício de superfaturamento de R$ 2,6 milhões e um possível sobrepreço de R$ 373 mil em quatro convênios. De acordo com a auditoria, o instituto não apresentou documentos que comprovem a entrega de equipamentos que foram comprados e empresas que participaram de editais, ao serem procuradas pela CGU, não confirmaram as cotações apresentadas.
O dinheiro para bancar esses convênios saiu do orçamento secreto, de emenda de bancada do Rio de Janeiro e de duas emendas individuais do deputado federal Luiz Lima (PL-RJ), que somam R$ 5,1 milhões. Procurado, Lima disse que deixou de fazer as indicações após tomar conhecimento da apuração:
— Não fiz mais repasses depois da recomendação da CGU.
Já o instituto negou irregularidades, disse que apresentou “informações e documentações” à CGU e que está “em dia com suas obrigações”. A entidade também nega falta de transparência e irregularidades em gastos com emendas do deputado Luiz Lima. “Está claramente comprovado que o Instituto Leo Moura está em dia com suas obrigações em relação aos termos de fomento citados”.
O relatório identificou outro possível sobrepreço, de R$ 394 mil, em uma contratação feita pelo Instituto Fair Play, abastecido com R$ 16 milhões em emendas entre 2020 e 2024. De acordo com a CGU, houve falhas na cotação de preços, com empresas que participaram de editais apresentando valores muito próximos e objetos comprados por valores superiores aos de mercado. Neste caso, as irregularidades foram encontradas em recursos encaminhados por Gurgel e a ex-deputada Clarissa Garotinho. Procurados, o instituto e a ex-parlamentar não se manifestaram.
Um outro relatório enviado ao STF analisou o envio de emendas de Comissão e de relator (o extinto Orçamento Secreto) entre 2020 e 2023 para 30 municípios. Foram selecionadas seis cidades de cada região, de acordo com o maior valor recebido de emendas.
A auditoria analisou 256 obras financiadas pelos parlamentares e constatou que 38,6% (99) delas nem sequer começaram.
“A quantidade de obras não iniciadas na amostra chama a atenção, em que pese os prazos de execução dos instrumentos firmados estarem compatíveis com a média histórica do Transferegov.br. As obras não iniciadas podem estar relacionadas à falta de priorização desses projetos pelos municípios”, destacou a CGU.
Vários exemplos estão em Tauá (CE), cidade de 60 mil habitantes a 343 quilômetros de Fortaleza. A CGU identificou 22 obras que nem sequer começaram, incluindo a construção de 18 escolas, pavimentação do asfalto, açudes e barragens subterrâneas. Isso acontece mesmo após o município ter recebido R$ 193,5 milhões em emendas entre 2020 e 2024. Procurada, a prefeitura ainda não se manifestou.
Em um terceiro relatório encaminhado ao STF, a CGU analisou exclusivamente o envio às ONGs das transferências especiais, também conhecidas como ‘emendas PIX’. Como amostragem, o órgão de controle auditou as duas ONGs que mais receberam esse tipo de emenda, além de outras entidades do terceiro setor de cada região do Brasil, considerando aquelas que receberam o maior volume de recursos. Essas entidades, juntas, receberam R$ 27 milhões em valores empenhados, dos quais R$ 18 milhões já foram pagos.
“No âmbito do presente trabalho de auditoria foram verificadas inconformidades relacionadas à seleção e celebração de parcerias com ONGs e demais entidades do terceiro setor, assim como impropriedades e irregularidades na execução dos objetos pactuados”, diz a CGU.
Dentre as irregularidades, o órgão apontou ausência de chamamento público ou de concurso de projetos na utilização das emendas, ausência de capacidade operacional e técnica para execução do objeto e plano de trabalho “não adequadamente planejado e estruturado para execução eficiente e eficaz do objeto pactuado”.
A CGU também destacou a ausência de mecanismos para monitorar a execução das emendas, a restrição à competitividade em processos licitatórios e a falta de transparência na utilização dos recursos.
Com informações de O Globo.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/ongs-lideres-em-emendas-parlamentares-nao-sao-aptas-a-executarem-projetos-para-os-quais-receberam-verbas-aponta-cgu/