21 de outubro de 2025
Operação que mira mineração em Minas atinge governo Zema
Compartilhe:

O Brasil é um lugar tão pródigo em casos de corrupção, desvios, fraudes e malversação do dinheiro público que é impossível inteirar-se e prestar atenção a todos os episódios que sempre estão ocorrendo ao mesmo tempo país afora. Nesse cenário, alguns escândalos locais com repercussão nacional acabam ficando em segundo plano.

Este parece ser o caso da operação Rejeito, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em Minas Gerais cerca de um mês atrás, que tem gerado grande repercussão por lá e coloca em compasso de espera o ecossistema político mineiro. A operação atingiu em cheio uma área sensível dentro do governo do estado e pode ter consequências ainda imprevisíveis para a atual gestão estadual e a base de vários políticos locais para as eleições de 2026 — incluindo o projeto presidencial do governador Romeu Zema (Novo).

Com desdobramentos e investigações ainda em curso, a ação da PF em conjunto com Receita Federal, Controladoria-Geral da União (CGU) e Ministério Público Federal cumpriu 79 mandados de busca e apreensão e 22 mandados de prisão preventiva, além de ter provocado o afastamento de servidores públicos e a suspensão de atividades das pessoas jurídicas envolvidas, conforme determinação da Justiça Federal em Minas Gerais. Foram bloqueados ativos da ordem de nada menos que R$ 1,5 bilhão dos investigados.

As investigações apontam a existência de um esquema de mineração ilegal em Minas Gerais por meio da criação de empresas de fachada. Essas companhias, registradas em nome de “laranjas”, promoviam a extração ilegal de minério de ferro e outros de diversas áreas, incluindo locais de alto valor histórico e ambiental, como a Serra do Curral, cartão-postal mineiro na região metropolitana de Belo Horizonte.

Conforme a investigação que acarretou a operação em Minas, documentos eram fraudados e servidores públicos recebiam propina para acelerar processos, liberar licenças ambientais e autorizações de mineração. A estratégia teria permitido ao grupo ocultar os verdadeiros beneficiários e lavar o dinheiro obtido com a mineração ilegal.

As atividades ilícitas do grupo resultaram em graves danos ambientais e riscos de desastres. A organização também utilizou diversas estratégias para lavar o dinheiro proveniente de suas atividades criminosas, aponta a PF.

Os policiais investigam um conglomerado composto por mais de 40 empresas, que operam na extração de minério em Minas Gerais. O inquérito, iniciado em 2020, revelou que o grupo subornou servidores de diversos órgãos públicos como a Agência Nacional de Mineração (ANM), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas (Feam) e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente. 

Nomeado por Zema foi preso em operação que investigou esquema irregular na mineração

A operação resultou na prisão de Rodrigo Franco, ex-presidente da Feam, e outros 21 suspeitos, incluindo funcionários da ANM e outros órgãos públicos. Dentre os presos, estão pelo menos mais seis apadrinhados de políticos de centro e de direita proeminentes com posições no governo do estado, no Congresso Nacional e no governo federal, além de advogados, empresários e até um delegado da própria Polícia Federal. 

Franco foi nomeado em novembro de 2023 por Zema e exonerado quatro dias antes da operação da PF ser deflagrada. A reportagem da Gazeta do Povo não localizou a defesa dele para comentar a acusação da polícia — o espaço segue aberto para manifestação.

Em audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), uma semana depois da operação, a secretária de Meio Ambiente, Marília de Carvalho Melo, disse que ele foi exonerado devido a uma denúncia formal encaminhada à Controladoria-Geral do Estado (CGE).

Na mesma audiência, o controlador-geral do estado, Rodrigo Fontenelle, disse que seis processos de licenciamento ambiental estão sob investigação. No Legislativo, deputados da oposição dizem que estão perto das 26 assinaturas necessárias para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), e acusam o governo Zema de omissão mesmo após denúncias anteriores à operação que focou na mineração irregular.

Apesar de uma coletiva de imprensa sobre o caso com membros do primeiro escalão do governo mineiro ter sido concedida no dia da própria operação Rejeito, sem o governador, Zema é acusado de demora para reagir. Apenas 24 horas depois e sob intensa pressão nas redes sociais, o governador de Minas Gerais pronunciou-se pela primeira vez sobre o caso, cobrando a punição exemplar dos envolvidos.

“Nós estamos dando todo o apoio às investigações. Já havia suspeita por parte da Controladoria-geral do Estado, que já estava fazendo diversas averiguações. E eu espero que haja uma punição exemplar para aqueles que realmente estejam envolvidos em qualquer ato ilegal”, declarou o governador a jornalistas, após participar do leilão do lote de rodovias Ouro Preto-Mariana, na Bolsa de Valores de São Paulo no dia 18 de setembro.

Mais de uma semana depois da ação da PF, o governo de Minas Gerais deflagrou uma grande operação de fiscalização de áreas de mineração que figuravam na mira da operação, na esteira do caso, e determinou a suspensão do funcionamento de 19 empresas — já paralisadas anteriormente por decisão judicial. As empresas com atividades suspensas devem manter as operações paralisadas enquanto perdurar a determinação judicial e até nova deliberação dos órgãos competentes. Os sistemas de controle ambiental vão permanecer operantes, de modo a evitar qualquer degradação.

Em nota distribuída à imprensa e publicada em sua página oficial na internet, a secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais afirma que “iniciou procedimento de revisão interna para analisar demais processos relacionados às empresas investigadas no âmbito da Operação Rejeito”.

“Nesse sentido, avalia-se a contratação de uma auditoria externa para auxiliar nas averiguações. Outros ilícitos que tenham impactado erroneamente em decisões ainda estão sendo avaliados e também poderão ser revistos”, diz o comunicado.

“Entre as medidas administrativas cabíveis e imediatas já adotadas estão a exoneração e o afastamento dos servidores do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) e do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) implicados na operação. Outros procedimentos investigativos já estavam em andamento na Controladoria-Geral do Estado (CGE-MG), que também solicitou à PF o compartilhamento de indícios para subsidiar possíveis novas investigações internas”, diz a pasta do Meio Ambiente.

“O governo de Minas não compactua com desvios de condutas de quaisquer servidores, preserva o direito ao contraditório e a ampla defesa e visa a apuração idônea dos fatos e a punição exemplar aos responsáveis”, acrescenta o órgão estadual.

No último dia 11, quase um mês após o escândalo vir à público, Zema nomeou como novo presidente da Feam o ex-promotor Edson de Resende Castro. Após 31 anos como promotor, Castro se aposentou no início de 2024 e fundou um escritório de advocacia especializado em direito ambiental e eleitoral, onde teve como clientes mineradoras com atuação no estado.

VEJA TAMBÉM:

  • Por que a pré-candidatura de Romeu Zema a presidente (ainda) não decolou

Para além da operação sobre mineração em Minas, Zema tem desafio de crescer na preferência do eleitorado

Talvez ainda seja cedo para definir o tamanho do impacto negativo do imbróglio todo no até agora sem pressão projeto presidencial do governador mineiro para 2026 — até porque o nome dele não é citado em nenhum momento no escândalo —, mas certamente ajudar, não ajuda.

“Romeu Zema sempre cultivou a imagem do gestor técnico, austero e ‘limpo’, um político que se comunica com vídeos bem editados e frases de efeito sobre eficiência”, afirma o cientista político Samuel Oliveira. “Mas, no caso da operação da PF que investiga fraudes bilionárias na mineração em Minas, a estratégia que sempre funcionou virou armadilha. O governador demorou para se manifestar, e só o fez sob pressão, limitando-se a poucas palavras.”

A mudança de postura é destacada na análise feita pelo analista político. “Esse silêncio, incomum para quem costuma filmar até banana com casca sendo comida, soou como cálculo político e medo de respingo. A ausência de narrativa imediata criou o que em política é mortal: um vácuo simbólico ocupado por suspeita”, diz o cientista político. “O gestor ilibado ficou acuado, e isso reconfigura sua imagem: de protagonista disciplinado a espectador confuso.”

Oliveira avalia que o silêncio diante da operação da PF fragiliza justamente o discurso que projetou Zema nacionalmente: o do empresário que não tolera desvio de conduta nem ineficiência pública. “Ao demorar para reagir, ele deu ao país a impressão de que há um duplo padrão, firme contra os erros alheios, complacente quando o problema nasce sob seu teto”, diz Oliveira. “Em política, essa incoerência destrói a aura de autoridade muito mais rápido do que qualquer escândalo administrativo”, opina ele.

Fora este novo desafio, de acordo com pesquisa de intenção de voto da Genial/Quaest, divulgada em 8 de outubro, o governador mineiro não avançou na preferência do eleitorado na disputa presidencial do ano que vem, mesmo com a indefinição de outros representantes da direita. Zema está presente em cinco cenários estimulados — quando os nomes dos políticos são mostrados para escolha do entrevistado. O melhor desempenho está no cenário em que Zema disputa contra Lula e Eduardo Bolsonaro (PL), indo a 11% das intenções de voto. 

Nos demais, ele oscila entre 3% e 5%. Ratinho Junior (PSD) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) conseguem avançar mais, chegando a 17% e 19%, respectivamente. Por sua vez, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), atinge 10%. No caso de segundo turno contra o petista, Romeu Zema chega a 32% contra 47% de Lula, ficando dentro da margem de erro de 2 pontos percentuais na comparação com Ratinho Junior, Tarcísio e Caiado.

Na linha temporal, o governador mineiro oscilou um ponto percentual para baixo — 33% para 32% — em relação à pesquisa da Quaest do mês de maio. A pesquisa ouviu 2.004 entrevistados em 120 municípios do Brasil, entre os dias 2 e 5 de outubro de 2025, e apresenta um nível de confiança de 95%. A margem de erro é de 2 pontos percentuais.

VEJA TAMBÉM:

  • Ratinho Junior eventual candidato presidente

    Ratinho Junior muda postura e dá sinais mais claros de que tentará ser presidente

  • Pedido de desculpas reforça em Tarcísio uma imagem de candidato mais ponderado que Bolsonaro e pode impactar na campanha de 2026.

    Desculpas diferenciam Tarcísio de Bolsonaro na pandemia e evitam desgaste maior em ano pré-eleitoral

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/brasil/operacao-contra-fraude-bilionaria-mineracao-fragiliza-projeto-presidencial-de-zema/