A proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre segurança pública, recentemente preparada pelo governo Lula e apresentada aos governadores, desencadeou uma reação da oposição no Congresso, que a apelidou de “PEC da Insegurança Pública”. Críticos, especialmente da ala bolsonarista, acusam o governo de buscar “maior controle federal”, centralizando decisões e aumentando o poder da União sobre a segurança pública, o que, segundo eles, reduz a autonomia dos Estados.
O governo Lula, no entanto, tem reiterado a intenção de não interferir nas políticas estaduais. Tanto o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, autor da proposta, quanto o secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, afirmaram em entrevistas que a PEC não visa retirar as competências dos governadores.
Enquanto isso, o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, articula uma resposta por meio do apoio a um projeto de lei dos deputados Alfredo Gaspar (União-AL) e Alberto Fraga (PL-DF). Esse projeto alternativo, com 95 páginas e 115 artigos, propõe um modelo de colaboração entre Estados, evitando ampliar atribuições da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, como sugerido na PEC do governo. A ideia é que as ações sejam coordenadas por um colegiado de segurança.
Fraga, presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, conhecida como “bancada da bala”, criticou a PEC ao afirmar: “Ela não traz inovação, mas sim uma intervenção nos Estados. Ampliar os poderes da PRF é arriscado, dado que a corporação já atua com um efetivo abaixo do ideal.”
O projeto de Gaspar e Fraga também define a “organização criminosa transnacional” e inclui como crimes o tráfico de drogas e pessoas, controle ilegal de territórios e financiamento ao terrorismo, estipulando penas de até 40 anos de reclusão. Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, elogiou o projeto alternativo, afirmando que “é bem melhor que o do governo federal”.
Enquanto a oposição avança com seu plano alternativo, o governo Lula iniciou um esforço de diálogo para avaliar a aceitação da PEC em diversas esferas, incluindo municípios. Após meses de análise na Casa Civil, o texto foi tornado público, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou-o aos governadores para medir a receptividade antes de submetê-lo ao Congresso. A proposta, no entanto, deverá passar por um longo processo de análise e debate no Legislativo antes de qualquer avanço.
O Conselho da Federação, criado por Lula em abril de 2023 para fortalecer o diálogo com Estados e municípios, deve se reunir nos próximos dias com os secretários-executivos dos governos estaduais e de entidades nacionais de municípios para pensar e definir um cronograma de ação e discussão. A operação vai ser comandada pela secretaria-executiva do conselho, chefiado por Rafael Bruxellas, vinculado à Secretaria de Relações Institucionais.
O Consórcio do Nordeste, formado pelos nove Estados da região, vai se reunir virtualmente para debater um posicionamento conjunto sobre a medida. Os demais governadores se comprometeram a enviar seus pareceres ao governo federal depois da reunião no Palácio do Planalto.
O ministro Ricardo Lewandowski diz não haver um “prazo fixado” para a aprovação da proposta. “Vamos ouvir os governadores, secretários de segurança, a sociedade civil, a academia. Nós estamos esperando as sugestões, vamos maturá-las, examiná-las, e a partir de um consenso mínimo enviaremos um anteprojeto para o Congresso”, declarou em entrevista à GloboNews nesta terça-feira, 5.
A preocupação em coletar o máximo de feedbacks possível vem do fato de que a PEC versa sobre uma atribuição conferida pela Constituição Federal de 1988 aos próprios Estados, o que pode gerar celeuma nos demais governantes. É nisso que os bolsonaristas vem apostando para desgastar o texto do governo antes mesmo de ele começar a tramitar.
O progresso das discussões da PEC despertou outros movimentos. Um projeto de lei complementar (PLP 215/2019), que autoriza governos estaduais a alterar a legislação do Código Penal e do Código de Processo Penal, foi pautado com discrição na Câmara dos Deputados na semana passada. Se aprovado, ele permitirá que Estados atuem na tipificação de crimes (exceto hediondos, eleitorais e militares), aumentando penas, criando novos crimes e endurecendo punições e prisões.
A proposição vem na linha da demanda levantada por alguns governadores na reunião com Lula na semana passada. Nenhuma ideia expressada pelos presentes teve tanta adesão quanto a de dar maior autonomia para Estados modificarem a legislação penal. Chefes estaduais como Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo, e Fábio Mitidieri (PSD), de Sergipe, queixaram-se que “o Congresso faz as leis, e nós (governadores) pagamos as contas”.
A Rede Justiça Criminal, que reúne nove organizações para combater as políticas de encarceramento no Brasil, alertou os deputados Erika Kokay (PT-DF), Bacelar (PV-BA), Helder Salomão (PT-ES), Laura Carneiro (PSD-RJ), Patrus Ananias (PT-MG) e Delegada Katarina (PSD-SE), que entraram com pedido de vista conjunto contra o PLP. Mas o texto deve voltar à pauta nas próximas semanas.
Outro PLP similar (108/2023), que também concede aos Estados competência para legislar na pauta das armas de fogo, está pronto para ser colocado em pauta. Janine Salles de Carvalho, coordenadora-executiva da Rede, avalia que “o conservadorismo tem encontrado bastante força nos Estados e, por isso, utilizado essa pauta da autonomia (estadual) para burlar a organização federativa e emplacar suas pautas”.
Com informações do Estadão.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/oposicao-bolsonarista-reage-a-pec-da-seguranca-e-acusa-governo-de-querer-retirar-poder-dos-governadores/