9 de outubro de 2024
Paes nega de novo que vá tentar ser governador em
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Reeleito em primeiro turno para o quarto mandato, feito inédito na história do Rio, o prefeito Eduardo Paes (PSD) reforça pós-eleição a aposta no embate com o governador Cláudio Castro (PL). Não só: estende as críticas à cúpula da Assembleia Legislativa, que faria “ameaças” e “extorsões” na relação com Castro, e diz que “essa gente” no comando do estado é “destemida”.

Ao GLOBO, o prefeito manteve o discurso de que não concorrerá ao Palácio Guanabara. Recusou-se, no entanto, a assinar um “documento” bem-humorado apresentado pela Ema Jurema, personagem de pelúcia do jornal Extra, com o compromisso de cumprir os quatro anos de mandato — e admitiu que não deixou no passado o sonho de ser governador.

Como vai ser a relação com o governador Cláudio Castro depois de uma eleição marcada pelo embate com ele?

Acho que o governador se comportou muito mal no processo eleitoral. Lançou três candidaturas e fez de tudo para atrapalhar minha eleição, as alianças que fiz. Foi cúmplice do (Alexandre) Ramagem na mentira sobre a segurança pública, não agiu com a verdade quando disse que não tratei de segurança pública com ele. A Operação Verão só acontece porque há três verões eu peço e, no último, ele resolveu fazer. Somos oposição ao Cláudio Castro, contesto as políticas, em especial a de segurança, mas estamos à disposição para ajudar. Ele precisa dar um basta nessa interferência da Alerj, ou de personagens da Alerj, no governo dele. Precisa governar. Eu acho que dá para ele governar com uma parte da oposição, para não se juntar a ameaças, extorsões, seja lá o que ele sofre que gera essa relação dele de tanto temor. Ele é governador pelos próximos dois anos, e não podemos deixar o estado ser destruído.

Quem faz essas ‘ameaças’ e ‘extorsões’? O presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar?

Acho que é a liderança da Alerj. Tem uma turma que comanda a Assembleia, e o presidente por óbvio é um deles. Me parece uma relação muito esquisita. Há um temor, não é uma relação de aliança política. Essa relação tem que ser mais institucional, mais madura. O chefe do Executivo é o governador Cláudio Castro. Se ele não assumir essa função, é muito ruim para o estado. Sobre a eleição, repito: ele entrou demais, operou a pré-campanha inteira para me atrapalhar. E com aqueles leilões que eu não faço. Se perguntar ao Podemos, Solidariedade, o próprio Republicanos, era um misto de ofertas e ameaças.

Que tipo de ofertas e ameaças?

Só conheço as ofertas de espaço de poder, ninguém tem coragem de me contar as outras.

O senhor também não o apoiou em 2022. Não é do jogo ele fazer campanha contra?

Graças a Deus (não apoiei). Eu nunca pedi o apoio do governador, porque somos tão diferentes que ninguém iria entender. A visão de mundo que temos, a forma de fazer política, nada bate. Tem uma turma na política fluminense que diz que não cumpro acordo. O que eu não cumpro é a sacanagem. O que essa gente quer, em geral, é outra coisa, que eu não faço. Adoram dizer que não sou confiável. Não consigo ter essas relações de “homem de palavra”, “fio do bigode”. Acho coisas meio de Cosa Nostra, se é que me entendem. Não pedi o apoio dele, mas ele podia ter sido mais moderado no processo eleitoral.

O senhor pinta um cenário de práticas antirrepublicanas num estado em que lideranças foram dizimadas pela Lava-Jato. Nada mudou?

Essa gente é destemida. Se não é por valores aprendidos em casa, teriam que ter medo, não é possível. Estou vendo muitos destemidos na política fluminense.

O senhor e Castro estarão separados em 2026?

Muito provavelmente. Mas o que quero agora é ver o governador trabalhando. Talvez tenha sido útil o processo eleitoral, as minhas provocações. Vejo agora o governador muito mais ativo nas redes sociais, mostrando serviço, preocupado com os números da segurança. Quero entender qual é a política de segurança do estado, e onde nós podemos ajudar. Se continuar do jeito que está, sem autoridade, vamos ficar chovendo no molhado.

E o senhor não quer ser essa autoridade na eleição de 2026?

Meu compromisso com 2026 é porque moro no Rio e sou prefeito da capital do estado, tenho a responsabilidade pública e serei um personagem atuante na busca de uma candidatura que possa derrotar isso que está aí. Não é a minha.

O presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse que gostaria de vê-lo no governo. O senhor admite ao menos que ainda quer ser governador um dia?

Uma pessoa que tentou duas vezes não pode dizer que não quer. Não desisti de ser um monte de coisa. Mas o que o tempo, as vitórias, as pancadas e os erros que cometemos trazem é mais responsabilidade pública. Tenho hoje um compromisso profundo com a mudança do perfil dos políticos do Rio. É uma obrigação de todos nós. Minha eleição traz também que é possível tratar da vida real juntando personagens de matizes ideológicos diferentes, construindo consensos. Fica aí uma lição para o processo nacional. Não é possível que continuemos apostando num jogo de ódio. Na véspera da eleição, Ramagem insinuou nas redes que líderes evangélicos que me apoiam “se venderam”. Não é assim. Eles (bolsonaristas) não são donos da igreja, não tem gado.

Foi a eleição mais fácil das quatro que venceu?

Não, a de 2012 foi com um percentual maior e se consolidou antes. Nessa última, de fato teve pouca agressão, não ouvi ninguém gritando “Ramagem” para mim nas ruas. Tem um olhar simpático da população mesmo entre quem não me apoia. Mas, este ano, tinha o governador e a máquina do estado contra, a figura do Bolsonaro, que surge na última semana e não sabíamos o efeito que poderia dar. Acho que não foi tranquila, apesar de contundente. E a experiência de 2018 (a derrota para governador) foi muito traumatizante.

Chega ao quarto mandato com perfil político diferente, mais à esquerda? Tirando o Otoni, a “foto” da vitória de domingo era composta por PT, PCdoB, PDT, PSB.

Em 2008 tive a esquerda contra o Gabeira, em 2012 o PT tinha o meu vice. Mas as circunstâncias do Brasil nos últimos anos me colocaram no campo democrático, que tem mais gente de esquerda, apesar de ter gente de direita também. Em 2016, manifesto uma preferência mesmo que indireta ao Freixo contra o Crivella; em 2018, contra o Witzel, a esquerda vota em mim no segundo turno; em 2020, também vota em mim contra o Crivella; em 2022, faço a campanha do Lula. Sempre me achei um sujeito de centro progressista, mas no campo dos valores um pouco mais conservador, sem ter as pautas identitárias como prioridade.

Estará com Lula em 2026?

Se ele for candidato à reeleição, estarei com Lula em 2026. Somos diferentes em muita coisa, mas temos duas coisas em comum: Lula governa para os mais pobres e ama o Rio. Todos os meus argumentos para pedir voto no Lula em 2022 não eram nem os argumentos do campo democrático, com os quais por óbvio eu concordava, mas o interesse do Rio. E mais uma vez ele mostra essa capacidade: Galeão, Impa Tech, estádio do Flamengo, que é uma coisa mais popular e compreensível. Se não tivesse atenção com o Rio, não trataria do estádio de um time que não é nem o dele.

O PP, do deputado federal Dr. Luizinho, foi quem mais fez prefeituras no estado depois do PL. É alguém que o senhor quer trazer para perto?

Muito. A pessoa que mais procurei para tentar ter ao meu lado foi o Dr. Luizinho. Ele traz uma capacidade de diálogo, de conversa com a política, mas mantendo um certo padrão de comportamento. Agrega muito. Mas, na prefeitura, quem vai estar num primeiro momento são os partidos que me apoiaram. Agora não é a hora de montar o governo com esse olhar de 2026, mas vamos conversar. Certas alianças não aconteceram mais por causa dos problemas que poderiam gerar do que por falta de vontade. O MDB não veio porque o Washington Reis precisava do Bolsonaro em Caxias. O Republicanos, porque não quis. O Luizinho, até onde entendo, ainda alimenta o desejo de ser presidente da Câmara, não queria o veto do Bolsonaro.

Prometer estádio do Flamengo, show do U2 e Ozempic na rede de saúde foram “fanfarronices”?

De jeito nenhum. Duas delas são visões estratégicas de cidade: o Flamengo é um fenômeno e a questão do U2 é a construção de um calendário para a cidade. O negócio do Ozempic foi sem querer, por causa da Ema Jurema, do Extra, que me perguntou. Aliás, vocês colocam uma ema de pelúcia para entrevistar os candidatos e sou eu o fanfarrão?

Com entrevista de Paes ao Globo

Fonte: https://agendadopoder.com.br/paes-nega-de-novo-que-va-tentar-ser-governador-em-2026-mas-admite-que-quem-tentou-duas-vezes-nao-pode-dizer-que-nao-quer/