O ex-motorista Higor de Souza, de 40 anos, no fim do mês passado, foi acordado às pressas em um albergue público de Sorocaba, no interior de São Paulo. Segundo conta, guardas municipais, de forma ríspida, expulsaram todos que estavam ali e “não eram da cidade”. Apesar de morar no município há 12 anos, Higor foi retirado e “ganhou” uma passagem de ônibus rumo a São Paulo, onde não tem familiares ou conhecidos.
Faltando menos de cinco meses para as eleições, prefeituras de diferentes regiões estão sendo acusadas de transferir moradores de rua para outros municípios. A frequência da prática gera preocupação entre autoridades, especialmente diante de um aumento de mais de 1.000% no número de pessoas em situação de rua cadastradas no CadÚnico na última década. Segundo dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (OBPopRua/POLOS-UFMG), o número saltou de 22,9 mil (2013) para 261,6 mil no ano passado. Em fevereiro, um recorde: 271.641.
— A GCM (Guarda Civil Metropolitana) chegou com cachorro, acordando todo mundo e pondo quem não era de Sorocaba para fora, porque (o abrigo) estava muito cheio e eles queriam esvaziar. Me tiraram de lá a contragosto, com a justificativa de que eu não era da cidade. Me senti como se fosse um lixo — diz Higor.
Santa Catarina tem vivido esse “empurra-empurra” de pessoas em vulnerabilidade social. No fim do ano passado, o aumento repentino da população de rua em Florianópolis levou o Ministério Público do estado (MP-SC) a formar um grupo de trabalho para investigar as causas. O órgão identificou que pelo menos cinco municípios da região transferiam moradores de rua para fora de seus territórios e abriu inquéritos civis para aprofundar as investigações.
O caso mais grave se revelou o de Balneário Camboriú. O promotor Daniel Paladino pediu a instauração de um inquérito policial contra a prefeitura, conhecida pelo turismo de luxo, para investigar a eventual prática de crimes contra a liberdade individual e cárcere privado, entre outros. O município teria enviado moradores de rua para Florianópolis sem consentimento, com uso de força policial. A prefeitura, por sua vez, afirma que “todas as ações de abordagem social” respeitam “a liberdade e a vontade individual de cada pessoa”.
A reportagem teve acesso a um vídeo gravado por autoridades da capital catarinense em que uma pessoa relata ter sido obrigada, junto de ao menos outras cinco, a deixar Balneário: “me deram a passagem e me mandaram sumir de lá”. Outros quatro municípios são investigados: Criciúma, Chapecó, São José e Rio do Sul.
— Esses municípios supostamente vendiam ilusões, pagavam passagens de ônibus para Florianópolis com a alegação de que na capital haveria comida e moradia para todos. No caso de Balneário, ocorreu uma transferência forçada e violenta — diz Paladino.
A prefeitura de São José disse que a situação mencionada pelo MP foi “esclarecida” pela procuradoria do município e a de Rio do Sul diz que não tem essa prática. Procuradas, as prefeituras de Criciúma e Chapecó não responderam.
SP vê aumento
Funcionários da equipe de acolhimento da prefeitura de São Paulo dizem que têm notado aumento nas transferências de pessoas para a cidade desde dezembro de 2023, com destaque para provenientes de Santa Catarina. Essa prática tem ocorrido de maneira irregular, sem uma comunicação prévia entre as secretarias responsáveis pelo cuidado dessa população vulnerável.
A reportagem conversou com diversos moradores de rua que foram parar no Terminal Rodoviário do Tietê, após deixarem suas cidades. Higor mora na rua há cerca de um ano, após se divorciar da esposa e perder o emprego. Seus três filhos residem em Sorocaba com a ex-mulher. Assim que chegou, foi recebido no Tietê por funcionários da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, que o encaminharam para um hotel social, onde deve permanecer até garantir uma vaga permanente em outro equipamento de acolhimento.
A prefeitura de Sorocaba afirmou que todos os encaminhamentos ocorrem com o consentimento dos atendidas.
Sem escolha
O pintor Manoel de Oliveira Santos (foto da matéria), de 28 anos, chegou a São Paulo há dois meses, após ser despejado de Blumenau (SC). Natural de Sergipe, ele viajou até a cidade catarinense com o intuito de visitar a ex-esposa e a filha. Ele conta que tinha o desejo de se estabelecer na cidade, onde morou por cinco anos. Mas uma recaída no uso de drogas frustrou seus planos.
Manoel diz que estava em uma praça pública quando foi abordado por uma equipe de assistência social da prefeitura de Blumenau, que perguntou de onde ele era. Apesar de ter respondido que morava em Sergipe, funcionários o levaram em uma van até a rodoviária e compraram um bilhete com destino à capital paulista, onde ele não tem família nem conhecidos.
— Eu não queria vir para cá. Queria voltar para Sergipe, onde eu tenho casa e família. Eles quiseram se livrar de mim, me empurrar — diz ele.
A prefeitura de Blumenau informou que “não possui licitação de passagem para Sergipe, apenas São Paulo” e que “a equipe avisou isso ao usuário e ele aceitou”.
Com informações do GLOBO.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/prefeituras-de-sp-e-sc-sao-investigadas-por-expulsarem-pessoas-em-situacao-de-rua-para-outros-municipios/