Um projeto de lei que propõe o fim das cotas em programas de residência médica foi apresentado na Câmara dos Deputados. O texto, de autoria do deputado Zacharias Calil (União Brasil), começou a tramitar na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência na última terça-feira. A definição do relator do projeto deve acontecer ainda nesta semana.
O texto do projeto estabelece a proibição do uso de cotas raciais, socioeconômicas ou de qualquer outra natureza em processos seletivos para programas de residência médica e outras formas de especialização na área. Segundo o deputado, o objetivo da proposta é assegurar que os processos seletivos sejam baseados em critérios que ele considera “justos e meritocráticos”.
Zacharias Calil, cirurgião renomado, tem forte ligação com o Conselho Federal de Medicina (CFM). O órgão iniciou recentemente uma campanha para o fim das cotas em programas de residência médica. Essa iniciativa ocorre em meio a decisões contrárias aos interesses do conselho, como a da Justiça do Distrito Federal, que no dia 9 de novembro negou um pedido do CFM contra a reserva de 30% das vagas do Enare (Exame Nacional de Residência) para pessoas com deficiência, pretos, pardos, indígenas e quilombolas. O Enare é uma das principais portas de entrada para programas de residência médica no país.
O projeto levanta um debate sensível sobre equidade e inclusão em um dos setores mais disputados e estratégicos da educação e saúde no Brasil, reacendendo a discussão entre meritocracia e políticas afirmativas.
O CFM argumenta que a política cria “discriminação reversa” e fomenta a ideia de “vantagens injustificáveis” na classe médica. Ele defende que a seleção para residência seja baseada somente no mérito acadêmico.
Para a 3ª Vara Cível de Brasília, a entidade não tem legitimidade para questionar a política, uma vez que ação afirmativa é inofensiva para o exercício da medicina. O conselho federal poderia recorrer da decisão, mas não quis, e membros da organização adiantaram ao jornal que trabalhariam pela aprovação de um projeto de lei proibindo as cotas. Dois dias depois, o texto chegou à Câmara.
Vários parlamentares de direita já abraçam a pauta e sua tramitação na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência pode facilitar um avanço. Dos 19 titulares, 15 são de partidos de centro-direita.
O Enare é aplicado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, estatal ligada ao Ministério da Educação (MEC). A prova foi aplicada no dia 20 de outubro em 60 cidades, oferecendo 4.854 vagas de residência médica em 163 instituições de todo o país.
Desde o processo seletivo de 2023, o exame incluía a reserva de 10% das vagas para pessoas com deficiência. A partir deste ano, passou a contar também com cota para pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, indígenas e quilombolas – 20% das oportunidades.
Procurada, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares diz que as cotas não implicam privilégio ou quebra da isonomia, como argumenta o conselho federal, mas são instrumentos de equidade para promover reparação histórica e corrigir desigualdades estruturais.
“A existência de políticas de cotas no ingresso às universidades públicas, por si só, não elimina as profundas desigualdades sociais que ainda afetam o acesso às especialidades médicas”, afirma a entidade. “Tendo em vista que muitos estudantes ainda enfrentam barreiras adicionais ao tentarem ingressar nos programas de residência, onde há uma acirrada competição e altos custos associados à preparação para exames específicos”.
Com informações da Folha de S. Paulo.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/projeto-de-lei-que-propoe-fim-de-cotas-em-programas-de-residencia-medica-chega-a-camara-dos-deputados/