
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (17) um projeto de lei que altera drasticamente as regras do licenciamento ambiental no país. Aprovado por 267 votos a 116, o texto permite que o governo federal conceda, por decreto, licenças ambientais para empreendimentos considerados “estratégicos”. Especialistas ouvidos pelo portal g1 apontam que, na prática, a medida pode facilitar a liberação de projetos de alto impacto ambiental, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
O projeto estava em tramitação há mais de duas décadas e foi destravado neste ano — justamente quando o Brasil se prepara para sediar a COP30, conferência internacional sobre o clima que terá como sede a Amazônia. Entre os principais pontos está a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), uma modalidade com forte componente político, que permite aprovação acelerada em até 12 meses, com validade de até dez anos.
A proposta da LAE foi incluída por sugestão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), cujo estado, o Amapá, seria um dos principais beneficiados com royalties da exploração de petróleo na região.
Risco à Foz do Amazonas e avanço do petróleo
Embora o texto não cite diretamente petróleo e gás, ambientalistas alertam que a nova modalidade “cai como uma luva” para destravar os entraves à exploração na Margem Equatorial, onde está localizada a Foz do Amazonas. Em junho, o governo leiloou 19 blocos na região, arrecadando R$ 844 milhões — o equivalente a 85% de todo o valor do leilão nacional.
“O que o projeto fez foi simplificar o processo a partir de uma decisão política. Ninguém sabe como isso vai funcionar — essa licença por pressão política — mas é uma medida completamente sem contornos técnicos, sem segurança de que a avaliação de impactos ambientais vai ocorrer como deve ocorrer”, criticou Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e atual coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
Segundo o professor e especialista Fábio Ishisaki, a nova regra pode ser aplicada rapidamente aos blocos recém-leiloados, desde que sejam incluídos na lista de projetos prioritários. “O projeto prevê os projetos prioritários e também inclui um item sobre segurança energética nacional. Esses dois pontos mostram que ações em exploração de petróleo podem ser facilitadas no país”, afirma.
Apesar disso, os especialistas avaliam que o bloco 59, sob concessão da Petrobras desde 2013, não pode ser incluído nessas novas regras, pois o processo de licenciamento já está em estágio avançado. “Para fazer isso o governo teria que dar um ‘cavalo de pau’. Mudar a sistemática agora seria ferir os princípios da administração pública da eficiência, da moralidade”, explicou Ishisaki.
Desmonte ambiental preocupa entidades e especialistas
Além de abrir espaço para grandes projetos de exploração com aprovação rápida, o texto traz outras alterações que, segundo ambientalistas, representam um “desmonte” da legislação ambiental brasileira. Entre os pontos mais criticados estão:
- Autodeclaração de regularidade ambiental: permite que empreendedores emitam licenças sem análise prévia, com base em declarações feitas pela internet;
- Transferência de competência: transfere poderes do Ibama e do Conama para estados e municípios, enfraquecendo a fiscalização federal;
- Desproteção de territórios indígenas e quilombolas não homologados, que deixam de ser considerados áreas protegidas;
- Risco a sítios arqueológicos, ao limitar a atuação do Iphan apenas a locais já reconhecidos;
- Dispensa de licenciamento para diversas atividades, como ampliação de estradas, barragens de irrigação e operações agropecuárias.
“A partir do momento em que não há uma regra geral e cada prefeito, governador ou presidente vai decidir o que tem impacto ou não, adeus proteção ambiental”, alertou a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) em entrevista à GloboNews.
Governo rachado e impacto político
O projeto teve apoio declarado do Ministério de Minas e Energia, enquanto o Ministério do Meio Ambiente foi contra. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), orientou voto contrário, mas a base aliada se dividiu e partidos governistas liberaram suas bancadas.
O presidente Lula também já demonstrou inclinação favorável à exploração da Foz do Amazonas. “O problema é que o Ibama tem uma posição, o governo pode ter outra posição. Em algum momento eu vou chamar o Ibama, a Petrobras e o Meio Ambiente na minha sala para tomar uma decisão”, disse.
Impacto para investidores e mercado internacional
Além das consequências ambientais, os especialistas alertam que o novo marco pode gerar insegurança jurídica e riscos financeiros para investidores. “O projeto também traz insegurança para o investidor, essas coisas caminham juntas”, disse Fábio Ishisaki.
O vice-presidente da SBPC e cientista do IPCC, Paulo Artaxo, vê risco à imagem internacional do Brasil às vésperas da COP30. Ele acredita que o texto poderá ser vetado, total ou parcialmente, ou judicializado. “Como está, os projetos no país teriam uma análise rápida e pouco profunda. Isso é um desmonte”, afirmou.
O que diz o Ministério do Meio Ambiente
Em nota oficial, o Ministério do Meio Ambiente declarou que o projeto “fragiliza os instrumentos de licenciamento ambiental e representa risco para a segurança ambiental e jurídica do país”. O órgão informou que está avaliando as medidas cabíveis para enfrentar os prejuízos e buscará diálogo com o Congresso e a sociedade civil.
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Fonte: https://agendadopoder.com.br/projeto-que-enfraquece-licenciamento-ambiental-abre-caminho-para-exploracao-na-foz-do-amazonas-dizem-especialistas/