29 de outubro de 2025
A cidade congelante que abastece o Brasil com maçãs
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O inverno rigoroso e prolongado, com temperaturas abaixo de 7,2°C, em São Joaquim (SC) não é apenas um atrativo para turistas que se animam em conhecer a neve. São justamente as baixas temperaturas do município, localizado a uma altitude de 1.360 metros do nível do mar, que favorecem a produção de maçãs na localidade que se tornou referência nacional relacionada à fruta.

A cidade é responsável por cerca de 34% da produção nacional da fruta e 63% da estadual, conforme dados da Secretaria da Agricultura de São Joaquim. De acordo com a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), em 2024 a safra foi de aproximadamente 270 mil toneladas de maçã no município.

A área plantada subiu para 11 mil hectares e a expectativa da Epagri é de que a produção alcance, na safra de 2025/2026, cerca de 370 mil toneladas, um aumento de até 30%, visto que nos últimos anos as condições climáticas não foram muito favoráveis à cultura.

Frio propicia maçã de coloração intensa, crocante e de sabor doce

Conforme previsão do Centro de Socioeconomia e Planejamento Agrícola da Epagri, em Santa Catarina, mesmo com as condições climáticas não tão favoráveis, a produção de maçãs para a próxima safra deve alcançar 615 mil toneladas, um crescimento de 28% em relação ao ano anterior. Apesar de uma leve redução de 0,3% na área cultivada, a produtividade média deve aumentar 28,4%, chegando a 35,7 mil kg por hectare.

No Brasil, a produção total de maçãs, na safra 2024/2025, foi de cerca de 850 mil toneladas. O número representa um aumento de 2,16% em relação ao ciclo anterior.

“Este ano tivemos mais de 900 horas de frio, 300 horas a mais que em 2024. Isso faz com que a fruta tenha uma boa brotação e, consequentemente, uma boa frutificação, favorecendo o processo produtivo”, explica o engenheiro-agrônomo e extensionista rural da Epagri, Marcelo Cruz de Liz. 

O frio também é a condição que propicia uma fruta de coloração intensa, crocante e com sabor doce. O fruticultor Maurício José Montibeller, que cultiva maçãs das variedades Gala e Fuji, além de clones como Fuji Suprema e Fuji Michima, há 40 anos, confirma que a fruta é altamente rentável. “Com poucos hectares uma família sobrevive. Eu, por exemplo, tenho seis hectares plantados”, conta.

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Produção de maçãs sustenta a economia e o emprego em São Joaquim

A importância da maçã para a economia de São Joaquim é tamanha que 80% da renda municipal vem diretamente da produção. O Produto Interno Bruto (PIB) da cidade, de cerca de R$ 1,2 bilhão, tem R$ 1 bilhão ligado à fruticultura, segundo a Epagri. A atividade gera milhares de empregos diretos e indiretos.

O município possui em torno de 2050 fruticultores, a maioria pequenos e médios, que melhoram a qualidade de vida das famílias com a cultivo da maçã. “A atividade econômica se estende para além da colheita, impulsionando a renda em áreas como seleção e classificação da fruta, armazenamento em câmaras frias, embalagem e distribuição e processamento industrial da maçã”, observa a secretária municipal de Agricultura e Meio Ambiente, Fabiane Nunes da Silveira.

Condições climáticas da serra catarinense, com noites frias e dias amenos, são decisivas para a qualidade da fruta.

Ela destaca que o município tem uma estrutura moderna de packing houses (tecnologia para tornar o processo mais rápido e preciso) e uma logística que faz a fruta chegar a todo o país.

Maçãs de São Joaquim ganham selo de origem

Cerca de 90% da safra é destinada ao mercado interno, mas o setor de exportação tem ganhado força. Em 2025, as vendas externas quase dobraram em relação ao ano anterior, com projeções entre 35 mil e 45 mil toneladas enviadas a países como Países Baixos, Reino Unido, Estados Unidos, Ásia e Emirados Árabes.

As condições climáticas da serra catarinense — noites frias e dias amenos — são decisivas para a qualidade da fruta. Conforme a presidente da Associação dos Produtores de Maçã e Pera de Santa Catarina (Amap), Sheila Forgerine Zanette, esse diferencial rendeu à maçã Fuji da região de São Joaquim o selo de Indicação Geográfica (IG), que reconhece sua origem e qualidade superior.

“As nossas maçãs têm um elevado teor de açúcar, um equilíbrio de acidez, boa coloração e boa firmeza da fruta, o que lhe garante um bom shell lIfe (tempo de prateleira)”, reforça a secretária municipal de Agricultura e Meio Ambiente.

Da colheita ao empacotamento, a cadeia de maçãs movimenta a economia local e garante emprego a milhares de famílias.Da colheita ao empacotamento, a cadeia da maçã movimenta a economia local e gera emprego a milhares de famílias. (Foto: Aires Mariga/Epagri)

O cultivo da maçã em São Joaquim começou a ganhar força a partir da década de 1970. O avanço ocorreu com o Programa de Fruticultura de Clima Temperado (Profit), em 1968, que trouxe tecnologias do Japão e dos Estados Unidos.

Foi nessa época que a variedade Fuji, originária do Japão, começou a ser plantada na região — e acabou se tornando um símbolo local. Desde então, a cidade transformou a produção em um evento cultural. A Festa Nacional da Maçã, criada em 1978, celebra a safra e atrai visitantes de todo o país.

Como pesquisa catarinense moldou a maçã brasileira

Quando o Projeto de Fruticultura de Clima Temperado (Profit) foi criado, o desafio parecia quase impossível: adaptar uma fruta de regiões geladas do Hemisfério Norte às condições subtropicais de Santa Catarina. “Mesmo nas áreas mais frias do estado, ainda havia pouco frio para que as plantas se desenvolvessem bem”, relembra Marcus Vinicius Kvitschal, pesquisador da Epagri na Estação Experimental de Caçador. 

A solução começou com um movimento ousado. Pesquisadores da Epagri importaram mais de 500 cultivares de macieiras de diversos países para testar no território catarinense. Dessas, duas se destacaram e mudaram o cenário da fruticultura no país: Gala e Fuji.

Foram elas que, após anos de avaliações, se mostraram as mais adaptadas — e hoje representam 95% da maçã produzida no Brasil. Mas a adaptação não foi apenas genética. Era preciso criar uma base tecnológica para viabilizar o cultivo.

“O Brasil nunca havia produzido maçãs antes disso”, explica Kvitschal. “Boa parte das tecnologias usadas hoje foi desenvolvida aqui mesmo, nas estações experimentais da Epagri”, acrescenta.

Colheita mobiliza milhares de produtores e garante boa parte da renda das famílias joaquinenses durante a safra.Colheita mobiliza milhares de produtores durante a safra, em São Joaquim. (Foto: Aires Mariga/Epagri)

Inovação genética permitiu transformar uma fruta estrangeira em símbolo da agricultura nacional

Ao longo das décadas, a Epagri consolidou um dos mais importantes programas de melhoramento genético da América do Sul, em parceria com universidades e instituições nacionais e estrangeiras. Entre elas, está a Universidade Estadual de Maringá (UEM), que contribuiu com pesquisas em diversidade genética e sanidade vegetal no Banco de Germoplasma de Macieira da Epagri. É considerado o maior acervo genético da fruta no Brasil.

O foco do programa é desenvolver variedades adaptadas ao clima catarinense, com menor necessidade de frio e maior resistência a doenças, o que é prioridade em um país quente e úmido, onde fungos se multiplicam com facilidade. “Trabalhamos especialmente com resistência à sarna da macieira e à mancha foliar de glomerella, doenças que podem comprometer toda a produção”, afirma o pesquisador.

Essas variedades resistentes reduzem significativamente o uso de pesticidas, tornando o sistema de produção mais sustentável e seguro. “A resistência genética é a forma mais eficiente e barata de controle de doenças. Além de reduzir o impacto ambiental, diminui o risco de contaminação dos alimentos e prolonga a durabilidade das plantas”, explica Kvitschal.

O resultado desse trabalho é uma cadeia produtiva altamente tecnológica, que vai do campo à pós-colheita. A Epagri desenvolveu soluções para manejo, condução, raleio, conservação e armazenamento, conjugação que reflete em maçãs catarinenses com sabor, crocância e qualidade por até cinco meses em câmara fria.

Em 2022, o Programa de Melhoramento Genético da Maçã da Epagri recebeu o Prêmio Fritz Müller, do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), na categoria agricultura sustentável. O reconhecimento à inovação permitiu transformar uma fruta estrangeira em símbolo da agricultura catarinense.

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/santa-catarina/sao-joaquim-cidade-congelante-que-abastece-brasil-macas/