O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) usou a Operação Fim da Linha para pressionar o presidente da Câmara de São Paulo, Milton Leite (União Brasil), a acelerar a votação do projeto de privatização da Sabesp.
Leite era contrário à privatização, mas mudou de posição após a operação e votou a favor.
A informação foi confirmada por sete fontes, duas delas com cargos no governo de São Paulo e outra na Sabesp. Todas as identidades serão mantidas em sigilo.
Na madrugada de 9 de abril, dirigentes das empresas de ônibus Upbus e Transwolff foram presos na Fim da Linha, acusados de lavar dinheiro do PCC.
A operação envolveu 64 membros do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), 43 integrantes da Receita Federal e 340 PMs, entre outros.
Na manhã seguinte, o MP-SP listou, entre as testemunhas do caso, o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP) e o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite (União Brasil).
Segundo a reportagem apurou, a menção nominal foi um “recado” do governo para pressionar o vereador, responsável por pautar a votação do projeto de lei de autoria do prefeito Ricardo Nunes (MDB) que autoriza a cidade de São Paulo a aderir à privatização da Sabesp.
Foi por causa da Fim da Linha, dizem diversas fontes ouvidas pelo portal UOL, que Leite acelerou a votação do projeto.
“O Fim da Linha tinha endereço: o de Milton Leite”, diz uma dessas fontes.
“Leite citado como testemunha é pior que acusado. Se fosse acusado, poderia apenas negar as acusações. Já como testemunha, precisa dizer a verdade, desperta a dúvida do que pode dizer e quem pode implicar”, diz um parlamentar que pediu para não ser identificado.
Outro parlamentar conta que conversou com um amigo promotor recentemente: “Vocês não têm coragem de investigar Milton Leite, não? E ele respondeu: Não”.
“Se você publicar meu nome, amanhã eu não estou vivo”, completa a fonte.
Procurado, o Ministério Público não respondeu. O governo Tarcísio destacou que o MP-SP “goza de total autonomia e independência”: “Qualquer afirmação oposta trata-se de mera ilação”.
Via assessoria de imprensa, Leite negou “veementemente” que tenha sido pressionado pelo governo. “O ‘acelerar’ a que você se refere é cumprir todo o rito legal, porém reconhecendo que o prefeito Ricardo Nunes pediu agilidade neste processo porque ele é importante para o município.”
‘Chave da Cidade’
Leite sinalizava desde novembro que iria travar a votação. O projeto de lei entrou na Câmara no fim de março.
“A sensação, na Câmara, é de desconforto com o projeto. Hoje, nós não temos votos para aprová-lo. E, no desconforto, eu não voto. O governo tentará acelerar a tramitação na Câmara, mas vai ter muita dificuldade, pois há resistência de vários lados”, disse.
Em 9 de abril, após a deflagração da Operação Fim da Linha, foi expedido um parecer de legalidade para a privatização da Sabesp. No dia seguinte, foi publicado o calendário de audiências públicas sobre o assunto no Diário Oficial.
Em 17 de abril, o projeto patinou: foram 18 votos a favor, 36 contra.
Em 2 de maio, o jogo mudou: 37 votos a favor, 17 contra.
“Na política, não existe coincidência”, conta um parlamentar que já trabalhou perto de Leite, referindo-se ao “timing” entre a Operação Fim da Linha e o avanço das discussões sobre a Sabesp.
“Nada passa sem o aval dele [Leite]”, acrescenta outro. “Todo mundo sabe que ele [Leite] tem os votos que quiser na Câmara”, diz uma fonte da Sabesp.
“A chave para privatizar a Sabesp é o município de São Paulo. E quem segura a chave da cidade é Milton Leite.”
A juíza Celina Kiyomi Toyoshima, da 4ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, havia determinado que a Câmara só poderia votar o projeto após apresentar um estudo de impacto orçamentário da privatização e realizar todas as audiências públicas.
O estudo não foi divulgado e nem todas as audiências foram feitas — uma delas, da Comissão de Finanças e Orçamento, estava prevista para 23 de maio.
O que a Câmara considera como “estudo” é um ofício de 26 de abril assinado pelo secretário da Casa Civil, Fabrício Arbex, junto a um documento de quatro páginas assinado pelo secretário executivo Fernando Barrancos Chucre.
O ofício diz apenas que “não se vislumbra qualquer impacto orçamentário-financeiro” no projeto de lei: “A posposta [sic] legislativa não cria qualquer nova despesa ou implica qualquer renúncia de receita para o município”.
A juíza então suspendeu a validade da votação na Câmara. Leite declarou à Folha que a magistrada se equivocou “levada a erro pela oposição, que peticionou inverdades”.
Histórico
Há décadas são citadas relações entre Leite e empresas de transporte na zona sul de São Paulo.
Nas eleições de 2004, por exemplo, a Cooperpam, cooperativa de peruas presidida por Luiz Carlos Efigênio Pacheco, conhecido como Pandora, fez campanha para Leite — eleito pela primeira vez em 1996, ele está no sétimo mandato seguido como vereador.
Uma empresa de Leite, a Lisergo Construções, assinou um contrato de R$ 7 milhões em 2006 para construir uma nova garagem para a Cooperpam. Na época, o contrato foi alvo de investigação.
Foi a partir da Cooperpam que surgiu a Transwolff. Pandora foi um dos presos na Operação Fim da Linha.
Ao portal UOL, Leite afirmou que não recebeu nenhuma comunicação do MP-SP. Enfatizou que não é investigado. “Afirmo que, se for ouvido, será como testemunha”.
Leite era contra a privatização, lembram interlocutores. Isso porque ele foi um dos responsáveis pelo PL que autorizou, em 2009, o contrato entre a Sabesp e a cidade de São Paulo, assinado em 2010.
Foi ele que, na época, insistiu em uma cláusula para garantir que os investimentos feitos pela Sabesp fossem amortizados até o fim do contrato, em 2040.
Amortizar quer dizer que a Sabesp investiu e não deve nada à cidade; e que a cidade, fonte da maior arrecadação da companhia, pagou e não deve nada à Sabesp.
A cláusula caiu nas negociações para o novo contrato para a privatização. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, Leite “rifou” a Sabesp para atender a uma exigência de Tarcísio: a cláusula afastaria o interesse da iniciativa privada.
“No contrato atual, Sabesp e São Paulo chegariam ao zero a zero em 2040: ninguém deve nada a ninguém. No contrato novo, sem a cláusula que cita a amortização, a cidade vai ficar devendo bilhões para quem se apossar da Sabesp. É essa a garantia de lucro do negócio”, diz uma fonte da Sabesp.
O contrato que está sendo discutido abre brecha para aumento nas tarifas de água. “Quem vai pagar a conta é o cidadão.”
Leite afirmou que desde o início das discussões na Câmara foi “muito transparente” e que afirmou diversas vezes que não concordava com o texto inicial.
“Deixei claro que a cidade de São Paulo não poderia sofrer nenhuma perda e que as discussões deveriam partir da elevação das contrapartidas ao município.”
“Ao longo das discussões o projeto avançou, o texto foi aprimorado e, por isso, o PL foi pautado e aprovado”, disse.
Com informações do UOL.
Leia mais:
Fonte: https://agendadopoder.com.br/tarcisio-usou-operacao-contra-pcc-para-pressionar-presidente-da-camara-a-votar-privatizacao-da-sabesp/