Dois anos depois de comprar o Edifício Serrador por R$ 149,2 milhões para instalar sua nova sede, a Câmara Municipal ainda não conseguiu ocupar o novo endereço. A mudança dos vereadores depende de uma reforma milionária que foi questionada pelo Tribunal de Contas do Município (TCM). Após analisar o edital do projeto em que o Legislativo previa gastar R$ 85,2 milhões, a Corte pediu esclarecimentos e revisões de itens de despesas. Cinco dias depois, na última terça-feira, o edital foi republicado com nova estimativa de gastos: R$ 74,8 milhões, um corte de 12%.
A redução dos custos em R$ 10,2 milhões ocorreu, principalmente, no BDI (Benefícios e Despesas Indiretas), que seria basicamente a margem de lucro da empreiteira, que foi calculado pela Câmara com valores acima do previsto na tabela das obras da prefeitura, de acordo com o tribunal.
Com a mudança no edital, a licitação, marcada inicialmente para 8 de janeiro, foi transferida para o dia 23. Mas novos ajustes ainda podem ocorrer. A equipe técnica e os conselheiros do tribunal vão avaliar se as alterações apresentadas pela Câmara atenderam a todas as 23 exigências de esclarecimentos feitas. A análise ainda não tem data para acabar.
Duplicidade de pagamento
O tribunal determinou, por exemplo, que a Câmara comprove por documentos se pesquisou os preços em três fornecedores de insumos distintos para calcular os custos da obra, o que é uma regra no setor público. Outro ponto citado foi a instalação de dois mil metros quadrados de divisórias de vidros com persianas em 15 pavimentos do Serrador, prevista no edital. Com base numa medição feita por amostragem no terceiro andar do prédio, os técnicos do TCM constataram que a metragem é 40% superior à área. Também foi verificado que a planilha previa pagar duas vezes pelo serviço de assentamento de piso em alguns setores.
Para especialistas em contas públicas, mesmo sem uma decisão final do TCM, é inexplicável que a Câmara leve dois anos para elaborar o edital e erre em pelo menos R$ 10,2 milhões o valor da obra. Outro ponto curioso é que, após a pressão do tribunal, essa mesma equipe conseguiu refazer os cálculos e apresentar uma nova versão do edital em cinco dias, incluindo o fim de semana.
— No mínimo, é exemplo de falta de planejamento. Começou quando compraram o prédio sem saber quanto custaria a reforma. Diferenças orçamentárias podem acontecer, mas não com essa ordem de grandeza já reconhecida — disse o economista especializado em contas públicas André Luiz Marques, diretor financeiro do Insper.
Ainda faltam os móveis
Além dos atuais R$ 74,8 milhões, a nova casa dos vereadores sairá ainda mais cara porque esse valor não prevê a compra do novo mobiliário. Essas despesas farão parte de um outro edital, que será lançado e cujo valor ainda não foi divulgado. Enquanto as licitações patinam, a mudança atrasa cada vez mais. A primeira data de inauguração divulgada, ainda quando o imóvel estava sendo comprado no fim de 2022, era fevereiro deste ano. Agora, no melhor dos cronogramas, os vereadores só devem despachar no Serrador no início de 2027.
Isso porque um anexo ao edital já prevê a probabilidade de as obras não serem cumpridas no prazo estabelecido de 18 meses. Além disso, o custo pode aumentar em até 50% do valor inicial — a alegação é que o prédio tem vários elementos tombados pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH). A Câmara nega qualquer morosidade: “Não há que se falar em atraso ou novo atraso, uma vez que os trâmites seguiram regulares, tratando-se de um processo complexo’’.
Economia que saiu caro
Para comprar o Serrador, a Câmara alegou que haveria uma economia porque deixaria de gastar com o aluguel de imóveis para setores administrativos — que já foram para a nova sede — e até mesmo com a manutenção do Palácio Pedro Ernesto, um imóvel que acaba de completar cem anos.
Passados dois anos, dos 24 andares do Serrador, cinco estão ocupados por cerca de 350 servidores, 40% dos funcionários efetivos da Casa. E eles trabalham em um prédio sem o certificado do Corpo de Bombeiros. As adaptações para que o imóvel atenda às regras de prevenção contra incêndio estão previstas no edital, que só será lançado mês que vem.
Galeria será menor
Uma das obras mais complexas previstas é a do novo plenário. A adaptação exigirá a derrubada de parte de um dos andares para instalar as galerias de onde o público poderá acompanhar as sessões. Mas, se os vereadores vão desfrutar de um ambiente novo e mais espaçoso no Serrador, a população será menos presente: haverá lugar apenas para 48 pessoas. No Palácio Pedro Ernesto, a lotação hoje é de 120.
Em nota, a Câmara Municipal informou que atendeu à exigência do TCM de rever o BDI, ressaltando que o edital foi elaborado com a consultoria de uma empresa especializada escolhida por meio de licitação. Ao fixar o custo da obra em R$ 85,2 milhões, explicou o Legislativo, já tinha sido feito um corte de R$ 2 milhões do orçamento previsto originalmente pela consultoria.
Sobre os questionamentos citados pelo tribunal, a Câmara afirmou que revisões orçamentárias são rotina na burocracia pública, inclusive nas obras da prefeitura, e que fazem parte dos procedimentos de controle. “Em 2023, o TCM reduziu o valor de uma série de editais, chegando até mesmo ao percentual de 55% de corte. A licitação do Parque Piedade (…), que conta com um grande corpo técnico especializado em obras, também teve redução de 12%’’, diz a nota.
Imóvel foi de Eike Batista
Além de plenários e gabinetes, o pacote de obras inclui reformas para instalação da nova sede da TV Câmara, que, enquanto a obra não termina, continuará em andares alugados em outro prédio na região. O Serrador, que fica na Rua Álvaro Alvim, é um símbolos da era de ouro da Cinelândia, no século passado. A cobertura, os elementos arquitetônicos e decorativos originais da fachada, os materiais de acabamento, os gradis e as escadarias do imóvel são tombados.
Em estilo art déco, ele foi inaugurado em 1944, inicialmente como o Hotel Serrador, considerado o maior da América Latina na época. Na década passada, pertenceu ao empresário Eike Batista, que fez uma primeira reforma porque planejava fazer do local a sede do Grupo EBX. Depois, o imóvel foi vendido duas vezes até ser comprado pela Câmara.
Com informações de O Globo
Fonte: https://agendadopoder.com.br/tcm-questiona-e-custo-de-reforma-do-edificio-serrador-nova-sede-da-camara-de-vereadores-cai-r-10-milhoes/