30 de dezembro de 2025
Troca na SPCine faz frente a reduto cultural da esquerda
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A troca no comando da SPCine, empresa pública responsável pelo fomento ao audiovisual e que possui um orçamento milionário na capital paulista, é vista como mais um gesto de enfrentamento da atual gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) a um espaço considerado reduto cultural da esquerda, especialmente pela adoção de políticas de cotas e critérios afirmativos nos editais da empresa.

Antes do término do mandato definido para o cargo, a antiga diretora-presidente Lyara Oliveira foi substituída por Anna Paula Montini, a quem o setor define como alguém com perfil mais técnico e não atrelado a pautas ligadas à agenda woke. Criada em 2013, durante a gestão de Fernando Haddad (PT), a SPCine passou a concentrar, nos últimos anos, críticas de parlamentares e produtores que veem na empresa um predomínio da ideologia identitária de esquerda nos editais.

Além do embate ideológico, a execução orçamentária da SPCine passou a ser citada como evidência de que os critérios adotados para aprovar projetos nos últimos anos foram erráticos.

Em 2024, o orçamento foi de R$ 26 milhões, dos quais apenas R$ 3,78 milhões foram empenhados e R$ 3,19 milhões efetivamente liquidados. Para 2025, o orçamento previsto para a empresa é de R$ 21,38 milhões, porém até o fim de outubro não havia registro de valores empenhados ou liquidados.

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Bastidores e críticas à gestão anterior

Críticos da área cultural ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo, que pediram anonimato por receio de não conseguirem mais atuar profissionalmente no setor, afirmam que Lyara Oliveira era considerada uma gestora técnica, mas alinhada às diretrizes ideológicas adotadas anteriormente.

Segundo esses relatos, Lyara manteve medidas implementadas pela antecessora, consolidando um modelo que reforçou a imagem da SPCine como reduto cultural da esquerda.

O principal foco das críticas é a Portaria nº 1/2024, que institucionalizou políticas afirmativas para todos os programas e ações da empresa, influenciando desde os critérios de seleção de projetos até a composição das equipes e a avaliação das obras.

Vereadores falam em cerceamento da liberdade artística

Presidente da Frente Parlamentar Artistas Livres na Câmara Municipal de São Paulo, o vereador Adrilles Jorge (União) afirma que os editais da SPCine extrapolam o papel de fomento e acabam impondo uma orientação ideológica à produção cultural. “A portaria e o edital são completamente, absurdamente woke“.

Para o vereador, essas regras interferem diretamente no processo criativo. “Exigem nos roteiros um tipo de diálogo de mulheres que não falam sobre homens. É cota de indígena, cota de negro, cota de tudo. Isso limita a possibilidade de uma liberdade realmente artística”, critica ele.

Adrilles Jorge pontua ainda que produtores críticos a essas diretrizes relatam dificuldade de diálogo tanto com a empresa quanto com a Secretaria Municipal de Cultura e que tem optado por buscar diretamente o prefeito Ricardo Nunes.

“O que a gente quer é uma arte livre de qualquer tipo de fomento a uma ideologia. Quando você transforma arte em propaganda, empobrece o debate cultural”, defende o parlamentar.

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Portaria impõe critérios que chegam ao conteúdo das obras

A Portaria SPCine nº 1/2024 instituiu oficialmente políticas afirmativas para os programas e ações da empresa municipal vista como reduto cultural da esquerda. Entre os critérios está a adoção do Teste de Bechdel, metodologia baseada em uma quadrinista americana que avalia se uma obra audiovisual apresenta ao menos duas personagens mulheres com nome próprio que conversem entre si sobre qualquer assunto que não seja homem.

Além disso, o texto define o conceito de “socialmente negro” como o indivíduo que apresente características fenotípicas reconhecidas socialmente como negras, prevendo inclusive procedimentos de heteroidentificação para validar a autodeclaração racial.

A portaria também estabelece critérios específicos para indígenas, pessoas trans, pessoas com deficiência e mulheres, que são definidas como “a pessoa que se identifica com o gênero feminino compreendida na definição, além das pessoas cisgênero, as pessoas transgênero, transsexuais e travestis”.

Essas pessoas passam a contar com cotas ou pontuação indutora tanto na seleção de projetos quanto na composição das equipes e no perfil societário das empresas proponentes. Ou seja, projetos que atendem a esses requisitos podem receber pontuação adicional em editais, na distribuição de filmes e no acesso a circuitos públicos de exibição, como a plataforma Spcine Play e o circuito municipal de cinemas.

Câmara de Vereadores discute projeto para limitar critérios ideológicos

O embate avançou para o Legislativo municipal. A vereadora Sonaira Fernandes (PL) apresentou um projeto de lei que propõe a revogação da Portaria nº 1/2024 e veda a criação de novos atos normativos com critérios não previstos expressamente no ordenamento jurídico brasileiro. O texto também determina que a SPCine revise filmes e conteúdos audiovisuais excluídos de seus catálogos e circuitos, além de proibir a criação de categorias raciais, sociais ou de gênero sem respaldo legal.

Ainda é incerto se a nova gestão representará apenas um ajuste administrativo ou uma inflexão efetiva na política cultural da capital e as próximas ações da nova gestão da SPCine devem funcionar como termômetro para medir se haverá mudança de rumo ou apenas continuidade sob nova direção.

A reportagem da Gazeta do Povo procurou a SPCine, a atual diretora-presidente Anna Paula Montini e a ex-presidente Lyara Oliveira, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. O espaço segue aberto para manifestação.

Em nota, a Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa afirmou que a “atuação da Spcine é pautada estritamente por decisões técnicas destinadas ao desenvolvimento do audiovisual e da economia criativa”. De acordo com a pasta, Montini traz “ampla experiência em articulação e políticas públicas, fortalecendo ainda mais a continuidade e a eficiência dos programas”.

A secretaria informou ainda que, para o próximo ano, as prioridades permanecem focadas em “ampliar a circulação de obras, qualificar profissionais, fortalecer o mercado e impulsionar o desenvolvimento econômico do audiovisual na cidade, entre outros pilares essenciais para o setor”.

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/sao-paulo/troca-spcine-reduto-cultural-esquerda/