
Em um momento de incertezas geopolíticas e crescimento de medidas protecionistas que abalam o comércio mundial, impulsionadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarca neste sábado para um roteiro de visitas a dois países asiáticos, em busca do fortalecimento das relações bilaterais entre o Brasil e seus parceiros internacionais.
Na sua viagem mais longa desde dezembro de 2024, quando precisou suspender a agenda internacional por recomendação médica, Lula terá como primeira parada o Japão e terminará a turnê no Vietnã, daqui a uma semana.
Em Tóquio, o presidente terá encontros com o imperador Naruhito, o primeiro-ministro, Shigeru Ishiba, e participará de um encontro com cerca de 500 empresários brasileiros e japoneses. Com uma comitiva de cerca de cem integrantes, Lula discutirá formas de fortalecer o comércio, os investimentos, a defesa do multilateralismo e o compromisso com a adoção de medidas para mitigar os efeitos do aquecimento global. São temas da agenda bilateral que, segundo interlocutores dos governos dos dois países, ganharam prioridade.
No Japão, Lula quer retomar as conversas para um acordo comercial com o Mercosul e a abertura do mercado japonês para produtos como carnes bovina e suína. No caso do Mercosul, a Argentina do presidente Javier Milei já deu sinais de que quer flexibilizar as regras do bloco e negociar acordos sozinha com outros parceiros internacionais. Colocar as conversas entre a união aduaneira e os japoneses seria um ponto a favor do Brasil.
Segundo um integrante do governo brasileiro, o presidente quer aproveitar sua ida a Tóquio para cobrar uma promessa feita ao Brasil em 2006: a vinda de um fabricante de semicondutores ao país. Foi o que levou o governo brasileiro a adotar o modelo japonês da TV digital.
Um interlocutor do governo do Japão afirmou que há pelo menos 70 documentos a serem discutidos, pelos setores público e privado, durante a visita de Estado de Lula. Além disso, os japoneses querem conversar sobre a paz em um mundo com incertezas e imprevisibilidade, aumentar o comércio e os investimentos e reiterar sua posição de permanência no Acordo de Paris.
Outro tema é a comunidade japonesa no Brasil, em torno de 2,7 milhões de pessoas, e de brasileiros no Japão, algo como 220 mil.
— O Japão é uma grande economia, nosso mais tradicional parceiro na Ásia e é a nona origem de investimentos estrangeiros no Brasil, com um estoque de US$ 35 bilhões de investimentos nos últimos três anos. O objetivo da visita é dar impulso a setores prioritários, além de novos setores na relação — destacou o secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores, Eduardo Saboia.
Lula ficará em Tóquio de 24 a 27 de março, e seguirá para Hanói. De acordo com Saboia, o Vietnã é o segundo país do Sudeste Asiático a se tornar parceiro estratégico do Brasil.
—Nós estamos negociando um plano de ação para implementar essa parceria e a ideia é que esse plano de ação seja adotado durante a visita — disse o diplomata.
A cientista política Denilde Holzhacker, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), acredita que a visita de Lula ao Japão pode destravar as negociações para um acordo com o Mercosul e garantir mais exportações ao Brasil. Segundo ela, apesar dos contatos diplomáticos, os avanços são pequenos. Faltam resultados práticos, ressaltou.
— O governo sinaliza de forma mais contundente que tem fortes laços econômicos com a China, mas também tem outros interesses e parcerias estratégicas na Ásia, reforçando a posição de diversificação de parceiros e interesses do Brasil, tradicional na diplomacia brasileira —afirmou Holzhacker.
Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, destacou que, além de carnes bovina e suína, o Brasil tem grande interesse em vender ao Japão aviões da Embraer. Mas essa aproximação com Tóquio, enfatizou, não terá impacto significativo ao Brasil em meio à guerra comercial entre China e EUA.
— O governo Lula elegeu três eixos na política externa: meio ambiente, integração regional e equilíbrio na relação com as grandes potências. No terceiro eixo, tudo caminhou bem até a chegada de Trump. E, desde janeiro de 2025, o Brasil optou pela cautela e o pragmatismo. Isso por si só não é suficiente para fazer frente à política externa agressiva do governo Trump. E na presidência do Brics em 2025, o Brasil tem um desafio adicional: reafirmar que a coalizão Brics não é contra os EUA — disse Menezes.
Já a visita ao Vietnã terá por objetivo definir ações e iniciativas conjuntas para implementar a Parceria Estratégica entre os dois países, anunciada em 17 de novembro de 2024, quando o presidente Lula e o primeiro-ministro do Vietnã, Pham Minh Chin, reuniram-se à margem da Cúpula do G20, no Rio de Janeiro.
Um auxiliar de Lula ressaltou que, embora a estratégia de diversificar mercados e relações com a Ásia já esteja em andamento há algum tempo, em um momento de alta do protecionismo e de ameaça ao multilateralismo é preciso que os atores internacionais percebam que o Brasil sempre vai buscar opções. Na Ásia, não existe apenas a China, com a qual o Brasil tem uma relação profunda e de cooperação.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/viagem-de-lula-ao-japao-tem-foco-no-acordo-comercial-com-mercosul-e-fabrica-de-semicondutores-no-brasil/