Como é viver na cidade onde todos se conhecem e não há crimes

Serra da Saudade, em Minas Gerais, é o menor município brasileiro em número de habitantes. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou 856 moradores em 2025, dois a mais que no ano passado. O município ocupa essa posição de menos populoso do Brasil há 12 anos, quando posto era ocupado por Borá (SP) no ranking demográfico nacional.

Apesar do número reduzido de habitantes, Serra da Saudade não é dos menores municípios em extensão. O território soma 335,6 km², pouco maior que a capital Belo Horizonte, que possui 331,4 km².

O PIB per capita foi de R$ 28,3 mil em 2021. Em 2024, as receitas brutas realizadas superaram R$ 31 milhões. Em julho deste ano, a cota mensal do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para Serra da Saudade foi de pouco mais de R$ 1 milhão. Os dados são do portal da transparência do município.

Emancipada em 1962, a cidade celebra aniversário em 1º de março e é administrada pela prefeita Neusa Maria Ribeiro (PP), que está no terceiro mandato e teve 90% dos votos na última eleição. “Serra da Saudade é pequena, mas aqui todo mundo se conhece. Essa proximidade nos ajuda a governar de forma mais humana. Posso arriscar que conheço todos os moradores”, afirma a prefeita.

Rotina no município menos populoso do Brasil é baseada na confiança entre os moradores

Serra da Saudade conta com apenas dois bairros, o centro e São Geraldo, dispostos ao longo de 30 ruas. Na rua Rio de Janeiro, por exemplo, existe apenas uma casa. A cidade tem dois supermercados, um deles com 60 anos de atividade, ainda trabalhando na caderneta do fiado.

Há uma padaria, uma casa lotérica e sete bares. Não há farmácia nem posto de combustíveis, mas a prefeitura fornece medicamentos e o abastecimento mais próximo fica em Estrela do Indaiá, a 15 quilômetros de distância.

A cidade conta com um pequeno restaurante, da dona Maria Avelina. Além do bufê, ela prepara marmitas com típica comida mineira. Entre os clientes, a maioria são idosos. “Eu era merendeira. São poucos os clientes aqui, mas a paz de morar aqui ninguém paga”, afirma a cozinheira.

O médico Guilherme Neves de Azevedo, que chegou de Belo Horizonte, descreve a relação com os pacientes no único posto de saúde do município. “A gente tem uma intimidade com as pessoas, a adaptação não foi difícil”. O posto não tem filas de espera, e os atendimentos especializados ocorrem em Dores do Indaiá ou em outras cidades vizinhas.

Apesar de ter a menor população do Brasil, Serra da Saudade se estende por 335,6 km² e ocupa posição intermediária no ranking territorial de Minas Gerais. (Foto: Marconi Lima/Prefeitura de Serra da Saudade)

Último homicídio de Serra da Saudade foi há 60 anos

O tenente Fabrício Aparecido da Silva, da Polícia Militar de Minas Gerais, reforça a tranquilidade local. “O último homicídio aqui foi há cerca de 60 anos. No ano passado, foram dois furtos registrados, enquanto neste ano tivemos um furto de celular em uma festa, mas recuperamos o aparelho. Não há registro de roubos há anos também”, afirma.

A segurança da cidade também se deve à comunicação entre os moradores e os policiais. “Toda vez que chega algum veículo ou alguma pessoa na cidade, que pode ser suspeita, os moradores já se movimentam e acionam a polícia para verificarmos. Abordamos com gentileza para saber o motivo da visita”, conta o tenente da PM.

O Wi-Fi gratuito ao redor da praça central conecta moradores e visitantes, mas a rotina se dá no offline, com moradores conversando nas calçadas. “A gente cresceu diante dos idosos de hoje. Crescemos com os filhos e netos deles. Nossos filhos crescem juntos. Somos uma grande família aqui”, afirma o secretário municipal de Educação, Esporte, Lazer e Turismo, Ivan Hernane de Oliveira.

Serra da Saudade tem nome inspirado em lenda indígena

A palavra “saudade” marca a origem e a memória do menor município do Brasil. O termo aparece em registros históricos, no nascimento do arraial e também em uma lenda local.

Segundo relatos, no século XVIII, uma família indígena que vivia na região enfrentou uma luta por terras e acabou dizimada. Restou apenas uma jovem, que esperava notícias de parentes na Bahia. Com a ajuda de um viajante, ela enviou uma carta, mas a distância e o tempo tornaram a resposta quase ilegível. Assim, a jovem morreu de tristeza, e a única palavra legível no papel era “saudade”.

Serra da Saudade cresceu rapidamente com a chegada da Estrada de Ferro Paracatu. Posteriormente, em 1925, a estação Melo Viana iniciou o povoamento em terras doadas por José Zacarias Machado. Em seguida, o comércio prosperou, enquanto casas se multiplicaram e a Igreja de Nossa Senhora do Carmo surgiu em área cedida por Maria Praxedes Assunção. A ferrovia transportava café, madeira, gado e diamantes, o que estimulava indústrias, restaurantes e a famosa Pensão da Barra.

Além disso, a rodovia Belo Horizonte–Uberaba acelerou o progresso local e atraiu a visita de Getúlio Vargas. No entanto, a Segunda Guerra Mundial interrompeu obras e manteve os trilhos como via essencial. Com o tempo, a ferrovia perdeu viabilidade econômica e foi desativada em 1969.

Em 1963, Serra da Saudade se emancipou de Dores do Indaiá e conquistou sua autonomia como município.

Serra da Saudade se destaca pela tranquilidade: a cidade não registra homicídios há mais de meio século, segundo a Polícia Militar. (Foto: Marconi Lima/Prefeitura de Serra da Saudade)

IBGE projeta redução da população brasileira a partir de 2042

Neste ano, o Brasil contabilizou 213.421.037 habitantes, segundo o IBGE. Do total de 5.571 municípios, 2.079 registraram queda populacional, representando 37,3% do país. Apenas 122 cidades, cerca de 2,2%, apresentaram alta igual ou superior a 2%.

O IBGE projeta que a população brasileira seguirá crescendo até o ano de 2041, alcançando o pico de 220,43 milhões. A partir de 2042, a tendência é de redução. Em 2070, o contingente deve cair para 199,2 milhões, segundo estimativas atualizadas em 2024.

São Paulo permanece como município mais populoso, com 11,9 milhões de moradores. O Rio de Janeiro segue em segundo lugar, com 6,7 milhões, e Brasília ocupa a terceira posição, com 3 milhões de habitantes. Os cinco municípios menos populosos do Brasil são:

• Serra da Saudade (MG) – 856 habitantes
• Anhanguera (GO) – 913 habitantes
• Borá (SP) – 932 habitantes
• Araguainha (MT) – 997 habitantes
• Nova Castilho (SP) – 1.072 habitantes