22 de outubro de 2025
Alinhamento raro pode ajudar sonda da NASA a coletar amostras
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Um artigo disponível no servidor de pré-impressão arXiv, onde aguarda revisão de pares, propõe que a sonda Europa Clipper, da NASA – que, conforme noticiado pelo Olhar Digital, deve cruzar a cauda do cometa 3I/ATLAS – poderá ser atingida por partículas carregadas emitidas pelo objeto interestelar. Além de não representar perigo para a espaçonave, isso oferece uma oportunidade inédita: coletar material vindo de fora do Sistema Solar sem precisar alterar a rota da missão.

A previsão foi feita pelos cientistas Samuel Grant, do Instituto Meteorológico Finlandês, e Geraint Jones, da Agência Espacial Europeia (ESA). Com o auxílio de um software chamado Tailcatcher, eles calcularam que, entre 30 de outubro e 6 de novembro, a trajetória da Europa Clipper pode se alinhar com o Sol e com a cauda iônica do cometa 3I/ATLAS.

Uma imagem profunda do cometa interestelar 3I/ATLAS capturada pelo Espectrógrafo Multiobjeto Gemini (GMOS) no Telescópio Gemini Sul mostra nitidamente a cauda de poeira do objeto. Crédito: Observatório Internacional Gemini/NOIRLab/NSF/AURA. Processamento de imagens Shadow the Scientist: J. Miller e M. Rodriguez (Observatório Internacional Gemini/NSF NOIRLab), TA Rector (Universidade do Alasca Anchorage/NSF NOIRLab), M. Zamani (NSF NOIRLab)

Esse alinhamento pode fazer com que partículas arrancadas da cauda atinjam a sonda. “Praticamente não temos dados sobre o interior de cometas interestelares”, disse Grant ao site Space.com. “Amostrar a cauda dessa forma é o mais próximo que podemos chegar hoje de estudar material de outro sistema estelar.”

Embora tenha potencial, o plano depende de fatores externos. A missão Europa Clipper está em modo de cruzeiro rumo a Júpiter, com parte de seus instrumentos desligada. Com a paralisação administrativa do governo dos EUA, ainda não se sabe se os cientistas conseguirão reativar os equipamentos a tempo do cruzamento com o “forasteiro”.

Se as medições forem possíveis, elas devem revelar a composição química do objeto e indicar se os materiais que formaram o 3I/ATLAS são semelhantes aos dos cometas do Sistema Solar. Essa comparação ajudaria a entender se os processos de formação são iguais em diferentes regiões da galáxia.

“Pegar carona nessa cauda de cometa”

Cometas são blocos de gelo, rocha e poeira que se aquecem ao se aproximar do Sol. O calor faz com que gases presos sob a superfície escapem, liberando partículas e formando duas caudas: uma de poeira e outra de íons.

A cauda de poeira segue a trajetória do cometa, enquanto a iônica é empurrada pelo vento solar (uma corrente de partículas emitidas pelo Sol) e sempre aponta na direção oposta. É a cauda iônica que pode cruzar o caminho da sonda Europa Clipper.

Conceito artístico retrata a espaçonave Europa Clipper, da NASA, em órbita ao redor de Júpiter. Crédito: JPL/NASA

Segundo Grant, cometas funcionam como “cápsulas do tempo”, preservando material formado há bilhões de anos. Ao estudar os íons liberados, os cientistas podem compreender melhor as condições que existiam quando os primeiros sistemas planetários começaram a se formar.

Nave poderia interceptar íons de cometa interestelar sem desviar rota

O software Tailcatcher rastreia os movimentos do vento solar e calcula se ele passa por regiões onde há cometas. Quando isso ocorre, parte dos íons é capturada e transportada por milhões de quilômetros.

Ao medir o percurso dessas correntes, Grant e Jones perceberam que algumas podem atingir a Europa Clipper no mesmo período em que ela estará alinhada com o 3I/ATLAS. Assim, a nave poderia interceptar íons interestelares sem qualquer manobra.

Para distinguir quais íons vêm do cometa e quais são do vento solar, os cientistas analisam a composição química das partículas. Os íons de cometas contêm elementos mais pesados, como moléculas de água, enquanto o vento solar é formado principalmente por hidrogênio e hélio. Pequenas variações na velocidade e direção do vento também ajudam a identificar as partículas cometárias.

Sucesso da missão depende das condições do vento solar

Grant e Jones explicam que o sucesso da observação depende das condições do vento solar. Ele precisa soprar na direção correta e com intensidade suficiente para carregar as partículas até a sonda. Se o fluxo for desviado, a nave pode passar pelo alinhamento sem detectar nada.

O 3I/ATLAS chegará ao periélio, o ponto mais próximo do Sol, em 29 de outubro, quando estará a cerca de 200 milhões de km de distância. Nessa fase, sua atividade aumenta, ampliando a cauda iônica e elevando as chances de detecção.

Animação simula trajetória do cometa interestelar 3I/ATLAS pelo Sistema Solar. Crédito: TheSkyLive.com

Já a Europa Clipper está a mais de 300 milhões de km do Sol, após um sobrevoo por Marte no início do ano. Mesmo assim, a geometria do alinhamento pode favorecer o encontro com os íons transportados pelo vento solar.

A sonda Hera, da ESA, desenvolvida para estudar um asteroide que teve sua trajetória alterada em 2022 pela missão DART, da NASA, em um experimento de defesa planetária (relembre aqui), também poderá cruzar rajadas de vento solar com íons do 3I/ATLAS entre 25 de outubro e 1º de novembro. No entanto, ela não possui instrumentos para medir partículas carregadas e campos magnéticos, diferentemente da Europa Clipper, que foi projetada justamente para estudar o ambiente de radiação de Júpiter e da lua Europa.

Mesmo que a detecção não ocorra agora, o Tailcatcher já mostrou bons resultados. Em 2020, ele previu o cruzamento da sonda Solar Orbiter com a cauda do cometa C/2019 Y4, confirmado por observações. O histórico positivo aumenta a confiança dos cientistas em novas previsões.

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Um novo modo de estudar o Universo

Para Grant e Jones, cruzamentos acidentais como esse podem abrir novas possibilidades para a ciência. A ESA lançará em 2029 a missão Comet Interceptor, que aguardará no espaço até que um novo cometa, de preferência interestelar, seja identificado.

“O objetivo é sobrevoar um cometa e coletar amostras diretas de sua cabeleira e cauda”, explicou Grant. “Mas seria incrível se outra sonda, como a Europa Clipper, conseguisse cruzar a cauda de um objeto assim no mesmo período.”

Esses encontros casuais mostram que o espaço reserva coincidências notáveis. Mesmo a caminho de Júpiter, a Europa Clipper pode, por acaso, ajudar a desvendar a composição de objetos que vagam por outras partes da galáxia, revelando um pouco mais sobre as origens da matéria no Universo.

O post Alinhamento raro pode ajudar sonda da NASA a coletar amostras de visitante interestelar apareceu primeiro em Olhar Digital.

Fonte: https://olhardigital.com.br/2025/10/22/ciencia-e-espaco/alinhamento-pode-ajudar-sonda-a-coletar-amostras-de-cometa-interestelar/