
Um artigo publicado nesta quinta-feira (28) no Journal of Medieval History traz novas evidências que reacendem a polêmica em torno do Sudário de Turim (ou “Santo Sudário”), o pano de linho que muitos acreditam ter envolvido o corpo de Jesus após a crucificação.
Conduzido por Nicolas Sarzeaud, doutor em história da arte pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, o estudo relata que um tratado medieval assinado por Nicole d’Oresme, respeitado teólogo francês do século 14, descreveu o Sudário como uma falsificação “clara” e “patente”, resultado de manipulações de membros do clero.
O documento antecede em quase duas décadas a crítica mais conhecida, feita em 1389 pelo bispo Pierre d’Arcis, de Troyes. Isso torna o texto de Oresme, de cerca de 650 anos, a refutação escrita mais antiga já encontrada sobre a relíquia.
O Sudário de Turim mede cerca de quatro metros e traz a impressão da frente e do dorso de um homem nu, lembrando descrições de Jesus após sua morte. A peça ainda hoje divide opiniões: há fiéis que acreditam em sua autenticidade, enquanto pesquisadores acumulam evidências que apontam para uma origem na Idade Média.
Brasileiro diz que imagem no “Santo Sudário” não corresponde a um ser humano real
Entre essas análises recentes, um artigo publicado pelo brasileiro Cícero Moraes concluiu, com base em análises 3D, que o tecido não teria envolvido um corpo humano, mas sim uma escultura. [Em tempo: vale ressaltar que o estudo de Moraes se tornou o mais influente de todos os tempos da revista Archaeometry (#1 em 1,125), além de ser o segundo mais influente do mundo em História e Arqueologia no mês de agosto, ocupando o topo 0,13% de um total de 29 milhões de artigos traqueados, ou seja, sua pontuação é maior do que os 99,87% demais].
Testes de datação por radiocarbono já haviam apontado que o linho foi produzido entre os séculos 13 e 14, muito depois do período de Jesus.
Em um comunicado, Sarzeaud explica que o texto de Oresme é importante por representar uma rejeição oficial feita por uma figura de grande influência intelectual. O teólogo, que mais tarde se tornaria bispo de Lisieux, era conhecido por tentar explicar racionalmente fenômenos considerados milagrosos.

Em seus escritos, Oresme afirmava que não se devia acreditar em relatos de milagres baseados apenas em testemunhos, já que muitos clérigos se valiam de supostas relíquias para obter doações. Ele citava especificamente a igreja de Lirey, na região francesa de Champagne, que afirmava possuir o Sudário de Cristo. Para ele, aquilo era um exemplo evidente de fraude.
O destaque de sua análise está justamente no esforço de aplicar critérios de confiabilidade às testemunhas e no alerta contra boatos. Segundo Sarzeaud, “Oresme não estava disposto a comprometer sua abordagem acadêmica por propósitos pastorais; era essencial para ele denunciar todos os erros e manipulações”. Essa postura lhe garantiu grande prestígio como filósofo e conselheiro real.
Sarzeaud observa que o caso é raro porque fornece um relato detalhado de fraude clerical, tema que normalmente aparecia de forma genérica em sátiras ou críticas teológicas. De acordo com o historiador, a rejeição do Sudário levou Oresme a desconfiar amplamente da palavra do clero, algo incomum para a época.
Para Andrea Nicolotti, especialista mundial no Sudário e professor da Universidade de Turim, a descoberta é mais uma peça que reforça o entendimento de que, já na Idade Média, havia quem reconhecesse o objeto como não autêntico. Ele lembra que as análises científicas modernas apenas confirmam esse quadro.

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Sudário de Turim é a fraude mais denunciada pela própria Igreja
O documento de Oresme foi escrito provavelmente após 1370, quando o Sudário já havia circulado em Lirey e chamado atenção de estudiosos e autoridades religiosas. Segundo Sarzeaud, investigações da época já indicavam que pessoas haviam sido pagas para forjar milagres em torno da peça. O bispo de Troyes chegou a ordenar sua retirada de exposição por volta de 1355.
Mesmo assim, a relíquia voltou a ser exibida décadas depois, com aval do papa Clemente VII, mas com a condição de ser apresentada apenas como “figura” ou “representação”. Em 1389, Pierre d’Arcis formalizou a acusação de fraude em um documento ao papa e pediu até que o rei da França proibisse novas exibições.
Hoje, o Sudário raramente é exibido, mas diversas réplicas circulam pelo mundo. “O Sudário é o caso mais documentado de relíquia forjada na Idade Média e um dos poucos exemplos de culto denunciado e interrompido pela Igreja e pelos clérigos”, afirma Sarzeaud, ressaltando o valor do pensamento crítico de Oresme, que avaliava relatos de forma meticulosa e recusava provas frágeis.
O pesquisador considera “impressionante que, das milhares de relíquias daquele período, justamente a mais denunciada como falsa pela própria Igreja tenha se tornado a mais famosa de todas”.
O post “Santo Sudário”: relíquia bíblica já era contestada há cerca de 650 anos apareceu primeiro em Olhar Digital.
Fonte: https://olhardigital.com.br/2025/08/28/ciencia-e-espaco/autenticidade-do-santo-sudario-ja-era-contestada-ha-650-anos/