28 de fevereiro de 2025
Brasileiro lidera descoberta de buraco negro ultramassivo
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Astrônomos identificaram um dos maiores buracos negros já registrados. Com uma massa de 36 bilhões de vezes a do Sol, o monstro cósmico habita o centro da galáxia LRG 3-757, parte do sistema de lentes gravitacionais conhecido como Ferradura Cósmica. 

O estudo que descobriu esse Buraco Negro Ultramassivo (UMBH) foi liderado pelo brasileiro Carlos Melo-Carneiro, doutorando do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e está disponível no repositório arXiv, aguardando revisão por pares.

A Ferradura Cósmica é um fenômeno raro causado pelo efeito de lente gravitacional, em que a gravidade de uma galáxia massiva no primeiro plano deforma e amplia a luz de uma galáxia muito mais distante. 

O cientista brasileiro Carlos Melo-Carneiro, que descobriu o buraco negro ultramassivo na Ferradura Cósmica (ao lado). Créditos: NASA/ESA – Arquivo Pessoal

Esse alinhamento cria uma estrutura circular chamada Anel de Einstein, permitindo que astrônomos estudem objetos localizados a bilhões de anos-luz da Terra. “Foi assim que conseguimos estimar a massa desse buraco negro, mesmo ele estando inativo no momento da observação”, explicou Melo Carneiro em entrevista ao Olhar Digital. “Observamos os efeitos gravitacionais que ele (e também a sua galáxia hospedeira) causaram na luz proveniente de uma galáxia ainda mais distante – localizada atrás da Ferradura Cósmica – que estava alinhada com nossa linha de visão”. 

Como está a cerca de 5,7 bilhões de anos-luz da Terra, “não há qualquer motivo para preocupação em relação a esse buraco negro afetar o planeta ou nossa galáxia no futuro”, garante o pesquisador.  “Esse buraco negro que detectamos está há uma enorme distância da Terra. Cerca de 5 x 10²² quilômetros! Para contextualizar, isso equivale a um número 5 seguido de 22 zeros! É um número tão grande que é difícil até mesmo conceber sua magnitude”.

A galáxia LRG 3-757, onde está  o UMBH, é extremamente massiva, com cerca de 100 vezes a massa da Via Láctea. Embora buracos negros supermassivos (SMBHs) sejam comuns no centro de grandes galáxias, os UMBHs representam casos extremos. O tamanho gigantesco desse buraco negro levanta dúvidas sobre como ele cresceu tanto ao longo do tempo.

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Buraco negro ultramassivo está adormecido

Normalmente, a massa de um buraco negro está relacionada à velocidade das estrelas ao seu redor, segundo a equação MBH-sigmae. No caso da LRG 3-757, essa relação não se sustenta, sugerindo que outros fatores podem ter impulsionado o crescimento do UMBH. Um dos possíveis mecanismos é a fusão de galáxias no passado.

Quando galáxias gigantes colidem, seus buracos negros centrais podem expulsar estrelas próximas, diminuindo a velocidade estelar sem afetar a massa do buraco negro. Esse processo, chamado de “limpeza”, pode explicar por que a dispersão das estrelas na LRG 3-757 não condiz com o tamanho do UMBH.

Outra hipótese envolve a atividade de Núcleos Galácticos Ativos (AGNs). Buracos negros em crescimento emitem jatos e fluxos de energia que podem influenciar a formação estelar e o próprio desenvolvimento da galáxia. Esse efeito pode ter interrompido a formação de novas estrelas, permitindo que mais matéria fosse absorvida pelo buraco negro.

Também há a possibilidade de que esse UMBH seja o remanescente de um quasar extremamente luminoso do início do Universo. Durante períodos de alta acreção, buracos negros jovens podem crescer rapidamente, acumulando enormes quantidades de matéria em pouco tempo. Isso poderia explicar a massa fora do comum do buraco negro da LRG 3-757.

Anel de Einstein LRG 3-757, a “Ferradura Cósmica”, tem um Buraco Negro Ultramassivo central. Crédito: NASA/ESA

Essa galáxia pode ainda pertencer a um grupo fóssil, um aglomerado dominado por uma única galáxia gigante, resultado de fusões galácticas antigas. Esses grupos apresentam baixa atividade de formação estelar e são compostos principalmente por estrelas envelhecidas, o que poderia estar relacionado à evolução do UMBH.

Segundo Melo-Carneiro, esse buraco negro está em uma fase “adormecida”, ou seja, ele não apresenta atividade significativa no momento. “Isso não significa, porém, que ele nunca tenha sido ativo. Pelo contrário, dada a sua massa impressionante, é muito provável que ele tenha tido uma fase de intensa atividade no passado”. 

Os cientistas esperam que novas observações ajudem a esclarecer esse enigma. A missão Euclid, da Agência Espacial Europeia (ESA), deve identificar milhares de novas lentes gravitacionais nos próximos anos. “Estima-se que o Telescópio Euclid descubra centenas de milhares de novas lentes gravitacionais! Esse número impressionante de lentes pode incluir muitas configurações ideais para estudar e descobrir mais buracos negros supermassivos. E o melhor: esses buracos negros nem precisam estar ativos, pois estaremos observando os efeitos gravitacionais causados por sua imensa massa”.

Com instrumentos mais avançados e novas descobertas no horizonte, astrônomos estão cada vez mais próximos de entender como os buracos negros ultramassivos se formam e influenciam a evolução do Universo.

Carlos Melo-Carneiro, cientista brasileiro que descobriu o buraco negro hipermassivo na Ferradura Cósmica. Crédito: Arquivo Pessoal

Leia abaixo a entrevista com o cientista Carlos Melo-Carneiro na íntegra:

OD: Esse buraco negro pode representar algum risco para a Terra ou para nossa galáxia no futuro?

Não, de maneira alguma. Para ilustrar melhor, considere que a luz – a coisa mais rápida que conhecemos – levaria cerca de 5,7 bilhões de anos para viajar da Terra até essa galáxia. Portanto, não há qualquer motivo para preocupação em relação a esse buraco negro afetar a Terra ou nossa galáxia no futuro.

OD: A descoberta desse buraco negro muda algo no nosso entendimento sobre o universo e o nosso lugar nele?

Eu diria que essa descoberta acrescenta mais uma peça ao quebra-cabeça que estamos montando sobre o Universo. O que observamos, e que já havia sido sugerido anteriormente, é que algumas galáxias abrigam buracos negros supermassivos ainda mais massivos do que se esperava. Até então, apenas uma meia dúzia desses buracos negros ultramassivos havia sido detectada. Nossa descoberta não apenas expande essa lista, mas também reforça a hipótese de que esses buracos negros podem ter evoluído de maneira distinta, uma vez que sua massa excede as expectativas.  

OD: O estudo desse buraco negro pode trazer avanços tecnológicos, como novas formas de produzir energia ou melhorar nossas viagens espaciais?

Honestamente, não diretamente. A beleza do que fazemos aqui – e em muitas outras áreas da ciência básica – está em desvendar os mecanismos pelos quais a natureza opera e compreender como o Universo funciona e evolui. No entanto, é importante destacar que muitos avanços tecnológicos surgiram como consequência de descobertas na ciência básica. Por exemplo, tecnologias como o GPS, os raios X e, mais recentemente, a computação quântica são frutos de pesquisas que, inicialmente, não tinham aplicações práticas como objetivo principal. E acredito que isso seja perfeitamente válido. Afinal, parte da graça e da beleza da ciência está em simplesmente entender a natureza e contemplar o mundo ao nosso redor.

OD: Essa descoberta pode ajudar na busca por vida em outros planetas ou influenciar a forma como exploramos o espaço?

Infelizmente, não. Embora eu adorasse que fosse possível! Como mencionei anteriormente, a galáxia que abriga esse buraco negro está a cerca de 5.7 bilhões de anos-luz de distância da Terra. Isso significa que, mesmo um sinal de rádio – uma das formas mais rápidas de comunicação que conhecemos –  levaria aproximadamente 5.7 bilhões de anos para viajar daqui até lá. Para contextualizar, a vida na Terra surgiu há cerca de 3,5 bilhões de anos. Ou seja, o tempo necessário para enviar um sinal até essa galáxia é maior que toda a história da vida no nosso planeta! Portanto, essa descoberta, embora fascinante, não tem implicações diretas para a busca por vida em outros planetas ou para a exploração espacial.

OD: Este buraco negro apresenta atividade significativa, como emissão de jatos ou radiação intensa, ou está em um estado “adormecido”?

Esse buraco negro que detectamos está em uma fase que chamamos de “adormecida”, ou seja, ele não apresenta atividade significativa no momento. Isso não significa, porém, que ele nunca tenha sido ativo. Pelo contrário, dada a sua massa impressionante, é muito provável que ele tenha tido uma fase de intensa atividade no passado.

Um aspecto fascinante do nosso trabalho é que, mesmo sem sinais de atividade atual, conseguimos detectar e estimar a presença desse buraco negro imenso. Isso foi possível graças aos efeitos gravitacionais que ele exerce sobre o movimento das estrelas em sua galáxia e na deformação da luz que passa em sua vizinhança. Esse último fenômeno é conhecido como lente gravitacional, um efeito previsto pela teoria da relatividade geral de Einstein.

Para explicar brevemente, o efeito de lente gravitacional ocorre quando dois corpos estão alinhados na linha de visão de um observador, e o corpo mais próximo é extremamente massivo. Devido à sua enorme massa, o corpo mais próximo curva o caminho da luz emitida pelo objeto mais distante, de modo que essa luz chega ao observador de forma distorcida. A intensidade dessa distorção depende basicamente da massa do objeto que causa a curvatura. Isso significa que podemos estimar a massa do objeto deformador simplesmente analisando a luz que ele distorceu.

Foi assim que conseguimos estimar a massa desse buraco negro, mesmo ele estando inativo no momento da observação. Observamos os efeitos gravitacionais que ele (e também a sua galáxia hospedeira) causaram na luz proveniente de uma galáxia ainda mais distante – localizada atrás da Ferradura Cósmica – que estava alinhada com nossa linha de visão.

OD: Como o Telescópio Espacial Euclid pode colaborar com o estudo?

O efeito de lentes gravitacionais que descrevi anteriormente é relativamente raro. Ele depende de um alinhamento entre o observador (nós), a galáxia que curva o caminho da luz e uma galáxia ainda mais distante, cuja luz é deformada. Mais raro ainda é essa luz deformada aparecer próximo à região onde se espera encontrar um buraco negro supermassivo.

É aí que o Telescópio Espacial Euclid entra em cena. Ele foi projetado para observar uma grande porção do céu com alta qualidade e por alguns anos. Estima-se que o Euclid descubra centenas de milhares de novas lentes gravitacionais! Esse número impressionante de lentes pode incluir muitas configurações ideais para estudar e descobrir mais buracos negros supermassivos. E o melhor: esses buracos negros nem precisam estar ativos, pois estaremos observando os efeitos gravitacionais causados por sua imensa massa.

Com isso, é possível que detectemos muitos outros buracos negros supermassivos e, talvez, até mais buracos negros ultramassivos. Com um número cada vez maior de detecções, talvez nós, no futuro, possamos entender melhor como esses buracos negros ultramassivos se formam e se tornam tão imensos. Além disso, poderemos testar a hipótese de que eles evoluíram de maneira distinta, como tem sido especulado.

O post Brasileiro lidera descoberta de buraco negro ultramassivo apareceu primeiro em Olhar Digital.

Fonte: https://olhardigital.com.br/2025/02/28/ciencia-e-espaco/brasileiro-lidera-descoberta-buraco-negro-ultramassivo/