Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro (SP) conseguiram impressionante feito, que pode colocar o Brasil na história da matemática mundial: eles resolveram um problema matemático que não era solucionado há 124 anos.
Os profissionais em questão são Vinícius Barros da Silva, Edson Denis Leonel e João Peres Vieira, que criaram a Teoria Geométrica de Bifurcações (TGB). Esta, por sua vez, resolve o 16º problema de David Hilbert, importante matemático alemão que viveu no século XX.
Resolução de problema matemático pode revolucionar vários setores da sociedade
“A principal motivação para investigar esse problema foi, em primeiro lugar, o desafio, já que muitos matemáticos e físicos não conseguiram encontrar uma resposta”, diz Silva ao Jornal da Unesp. “Acho que isso se deve em parte ao fato de que as abordagens anteriores não atacavam o problema diretamente, e algumas traziam uma versão simplificada da questão”.
- A solução desse problema matemático é de tamanha importância, que pode revolucionar áreas de biologia, engenharia, computação, entre outros;
- A maneira como os pesquisadores brasileiros abordaram a questão permite analisar o comportamento de ciclos-limites em sistemas dinâmicos (entenda o que são a seguir) por meio de métricas geométricas;
- Os ciclos-limites são padrões repetitivos que surgem nas soluções das equações diferenciais polinomiais (saiba mais no fim do texto);
- Por sua vez, os sistemas dinâmicos são sistemas que evoluem no tempo conforme regras e leis especificadas e conhecidas pelos cientistas.
Ao g1, Silva comemora seu feito, conseguido ao lado de seus colegas: “É um misto de entusiasmo, revelação e grandiosidade”, comenta.
O matemático explica, ainda, que “a solução traz grandes impactos para áreas que envolvem sistemas dinâmicos, ciclos limites e também equações diferenciais. Por exemplo, na biologia, os ciclos-limites são problemas amplamente estudados em reações químicas, modelos epidemiológicos, e podem ser estudados em síndromes respiratórias como a Covid-19, e também modelos populacionais. Na engenharia, os ciclos-limites também são importantíssimos para o desenvolvimento de sistema de controle de temperatura e de circuitos elétricos”.
Outros setores capazes de serem muito beneficiados pela descoberta são cibersegurança e criptografia quântica, pois, com a Teoria Geométrica de Bifurcações e a partir de cálculos, será possível prever situações que podem fugir do controle, tais como roubo de dados. Isso promete revolucionar essas e outras áreas.
Ela pode trazer mais possibilidades nos estudos dos sistemas dinâmicos e abrir portas para diversas aplicações a partir dos ciclos-limites, essenciais para proteção de dados em diversos setores, incluindo o financeiro e o bancário.
Leonel, outro dos responsáveis pelo feito, também é professor de física na Unesp Rio Claro e explica que a resolução faz com que a ciência brasileira dê grande passo:
É uma solução analítica robusta para o sistema e que traz, portanto, uma solução que estava aberta há 124 anos. É uma solução definitiva para este problema.
Edson Denis Leonel, professor de física na Unesp Rio Claro e um dos autores do estudo, em entrevista ao g1
Pesquisadores concorrem a prêmio internacional
A pesquisa permitiu ao pesquisador Vinicius Barros da Silva, 30, concorrer a um prêmio internacional voltado a jovens pesquisadores. O International Centre for Theoretical Physics (ICTP Prize) será realizado em Trieste (Itália). O vencedor será anunciado até o fim deste ano.
Fico muito feliz em perceber que esses assuntos que estudamos no laboratório e na sala de aula vão além do microcosmo da sala de aula e se aplicam na sociedade e, mais importante, se aplicam no contexto nacional e internacional também.
Vinicius Barros da Silva, pesquisador, matemático e um dos autores do estudo, em entrevista ao g1
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O que é o 16º problema de David Hilbert?
A maioria dos problemas que Hilbert propôs (mais de 20) foram resolvidos parcial ou completamente. Apenas o oitavo, o 13º e o 16º não possuíam uma resposta.
O 16º problema de David Hilbert propõe o desenvolvimento de uma topologia de curvas e superfícies algébricas. Como explica o Jornal da Unesp, o problema é dividido em duas partes e passa pelo encontro da álgebra e da geometria na matemática.
A questão que Hilbert apresenta em seu 16º problema envolve determinar o número máximo de ciclos-limites nas expressões matemáticas usadas para descrever como certos fenômenos variam ao longo do tempo.
Essas expressões são chamadas equações diferenciais polinomiais e podem ser aplicadas, por exemplo, para gerar previsões sobre como uma população de animais mudará com o passar do tempo. Neste exemplo das mudanças de populações de animais, os ciclos-limites representam os padrões. Ou seja, a repetição de certas tendências. Siga o exemplo:
Em ambiente de floresta no qual convivem presas e predadores, o aumento de presas traz, consigo, o crescimento na quantidade de predadores. Um número maior de predadores resulta na queda de população de presas. Consequentemente, há uma queda na população de predadores. Isso enseja, novamente, em novo aumento na população de presas.
Simplificadamente, os pesquisadores brasileiros resolveram a pergunta sobre como seria possível prever quantos tipos diferentes de padrões (ciclos) apareceriam nessa floresta antes que ela entrasse em uma rotina, portanto, antes que as mudanças passassem a se repetir sempre da mesma forma.
Tal comportamento já foi observado em vários sistemas por físicos, desde escalas atômicas até meteorológicas — e é por isso que a descoberta pode revolucionar vários setores da sociedade.
No passado, diversos pesquisadores alegaram ter encontrado a solução para o problema, contudo, nenhuma das proposições foi considerada válida por matemáticos.
Abordagem usada pelos brasileiros
Até então, todas essas tentativas eram feitas a partir dos mesmos métodos matemáticos. Silva entende que isso dificultou a busca por respostas, pois as principais abordagens estavam divididas entre utilização de teoremas negativos e métodos aproximativos.
“O grande problema com essa abordagem é que, no caso dos teoremas negativos, eles são muito bons para identificar quando o sistema não tem um ciclo limite, mas ele não fornece nenhuma informação além disso. Esses teoremas nos permitem descobrir apenas se há ou não um ciclo limite, mas quantos são? Não temos como saber”, afirma.
A problemática da segunda abordagem está na simplificação do problema, pois pode ser utilizada apenas para encontrar o número mínimo de ciclos-limites, enquanto o problema de Hilbert busca resposta para o número máximo.
Para “sair da mesmice”, o grupo tentou abordar o problema a partir da geometria. Os pesquisadores utilizaram método chamado geometria de informação de Fisher, que permite gerar um mapa capaz de medir as “distâncias” entre diferentes estados de um sistema (em nosso exemplo, os momentos em que há mais ou menos predadores e presas).
A visualização dessas distâncias gera um tipo específico de curva e, por meio de simulações em diferentes sistemas, o grupo compreendeu que a resposta para o número de ciclos limites estava contida na curvatura gerada nesse mapa.
“Identificamos que, quando um sistema não tinha um ciclo-limite, a curvatura era zero ou negativa; quando existia apenas um ciclo-limite; a curvatura era positiva e se tornava infinita em pontos simétricos em relação à origem do sistema; agora, quando o sistema tinha mais de um ciclo limite, a curvatura divergia em pontos diferentes, não simétricos”, explica Silva.
Cada um desses pontos, presentes na curva e determinam o caminho que o sistema seguirá, correspondem a um ciclo-limite. A partir desse ponto de vista, os pesquisadores perceberam que era capaz não somente de identificar quantos ciclos-limites certo sistema possui, mas, também, onde eles estão posicionados no espaço, o que contribui para a solução do problema. Tal abordagem é Teoria Geométrica de Bifurcações.
Ao saber em que momentos um sistema “muda” e, a partir de quando tais mudanças começam a se repetir, será possível gerar previsões mais precisas sobre o futuro de um sistema, possibilitando planejar determinadas ações com base nesse conhecimento.
Na meteorologia, por exemplo, ela pode auxiliar na previsão de eventos, como El Niño e La Niña, bem como na intensidade de furacões, com ciclos que variam de três a sete anos. Saber quantos ciclos-limites podem existir no sistema climático ajudaria a prever, mais corretamente, quantas vezes e com qual frequência tais fenômenos podem ocorrer, bem como identificar a possibilidade do surgimento de outros padrões desconhecidos.
O post Brasileiros podem entrar para a história após resolverem problema matemático de mais de 100 anos apareceu primeiro em Olhar Digital.
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