A visão tradicional da Terra como um planeta com núcleo de ferro, envolto por um manto de rocha de silicato e coberto por água em sua superfície, tem sido um modelo básico para investigar exoplanetas – planetas localizados fora do nosso Sistema Solar.
No entanto, essa concepção está sendo revisada à medida que novos estudos revelam a complexidade desses mundos distantes. “Nos últimos anos, começamos a perceber que os planetas são mais complexos do que imaginávamos”, afirma Caroline Dorn, pesquisadora de exoplanetas do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zurich), na Suíça, em um comunicado.
Grande parte dos exoplanetas descobertos até hoje encontra-se próxima de suas estrelas, o que faz com que sejam mundos extremamente quentes, com oceanos de magma derretido.
Esses planetas ainda não esfriaram o suficiente para formar um manto sólido de rocha de silicato, como aconteceu com a Terra. Em tais condições, a água se dissolve muito bem nos oceanos de magma, enquanto substâncias como o dióxido de carbono tendem a liberar gases rapidamente, subindo para a atmosfera.
Exoplanetas rochosos podem ter grandes quantidades de água em seus núcleos
Em colaboração com Haiyang Luo e Jie Deng, da Universidade de Princeton, nos EUA, Dorn investigou como a água se distribui entre os silicatos e o ferro nesses exoplanetas. Utilizando modelos baseados em leis fundamentais da física, a equipe descobriu que, em exoplanetas maiores e mais massivos, a água tende a seguir as gotículas de ferro até o núcleo do corpo celeste, onde permanece presa. Essa descoberta foi publicada terça-feira (20) na revista Nature Astronomy.
Segundo a cientista, o núcleo de ferro leva tempo para se desenvolver. “Inicialmente, grande parte do ferro está contida na ‘sopa’ quente de magma em forma de gotículas. A água retida nessa sopa se combina com essas gotículas de ferro, que afundam até o núcleo”.
Em planetas maiores, esse processo é ainda mais acentuado, com o ferro podendo absorver até 70 vezes mais água do que os silicatos. No entanto, devido à alta pressão no núcleo, a água não permanece na forma de H2O, mas se dissocia em hidrogênio e oxigênio.
Essa pesquisa foi motivada por estudos sobre o conteúdo de água da Terra, que, há quatro anos, revelaram um resultado surpreendente: os oceanos na superfície contêm apenas uma pequena fração da água total do planeta.
Simulações indicam que mais de 80 vezes a quantidade de água presente nos oceanos pode estar escondida no interior da Terra. Esse achado é consistente com medições sismológicas e experimentos.
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James Webb pode ajudar a refinar dados
As novas descobertas têm grandes implicações para a interpretação dos dados de exoplanetas. Os astrônomos utilizam telescópios para medir o peso e o tamanho desses corpos, inferindo sua composição com base em diagramas de massa e raio. No entanto, se a solubilidade e a distribuição da água não forem consideradas, o volume de água presente no planeta pode ser subestimado em até dez vezes. Dorn ressalta que “os planetas são muito mais ricos em água do que se pensava”.
A distribuição de água também é crucial para entender a formação e evolução dos planetas. A água que afunda até o núcleo permanece lá indefinidamente, enquanto a água dissolvida no oceano de magma do manto pode desgaseificar e subir à superfície à medida que o manto esfria. Isso sugere que, se houver água na atmosfera de um planeta, é provável que haja muito mais em seu interior.
O Telescópio Espacial James Webb (JWST), da NASA, em operação há dois anos, tem a capacidade de rastrear moléculas na atmosfera de exoplanetas, ligando essas observações à composição interna dos corpos celestes. Dados recentes do exoplaneta TOI-270d,a 73 anos-luz da Terra, sugerem a existência de interações entre o oceano de magma e a atmosfera, e o planeta K2-18b, que ganhou as manchetes em 2020 por suas chances de abrigar vida, também está sendo estudado.
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