30 de junho de 2025
Dia do Asteroide e o legado de Tunguska: um alerta
Compartilhe:

Imagine um camponês, sentado ao lado de casa, surpreendido com uma bola de fogo mais brilhante que o Sol cruzando o céu. De repente, um clarão ainda mais intenso. Uma rajada de calor faz com que ele sinta a pele queimando por baixo das roupas. Sem entender o que estava acontecendo, ele vê o céu se tornar avermelhado no horizonte e toda a floresta abaixo parecia arder em chamas.  Um grande cogumelo de fumaça se forma e alguns minutos depois, vem o pior: um enorme estrondo! Uma onda de choque avassaladora varre tudo ao seu redor e o atinge, jogando-o para longe.  Esse evento, transformou este dia 30 de junho, no Dia Internacional do Asteroide (Asteroide Day)

Isso poderia ser uma cena de um filme de ficção, mas foi o depoimento de um camponês que presenciou o que ocorreu na manhã de 30 de junho de 1908, nos confins da Sibéria, em um dos episódios mais intrigantes da história moderna. Às vésperas do Asteroid Day, data em que refletimos sobre os riscos que o impacto de uma rocha espacial pode representar para nosso planeta, é impossível não lembrar dessa história e do cientista russo que cruzou uma das regiões mais remotas da Terra para nos contar o que havia acontecido naquela manhã. Seu nome era Leonid Kulik — protagonista de uma das expedições científicas mais fascinantes do século XX, a expedição que buscava compreender o Misterioso Evento de Tunguska. 

Leonid Alekseyevich Kulik foi um mineralogista russo nascido na Estônia em 1883. Em 1904 ingressou no Instituto Imperial de Silvicultura em São Petersburgo, mas foi expulso por participar de protestos estudantis. Naquela época, o império russo passava por uma crise política, que viria a desencadear a revolução comunista anos depois. Convocado, Kulik serviu o exército na Guerra Russo-Japonesa entre 1904 e 1905 e na Primeira Guerra Mundial. Entre uma guerra e outra, dividia seu tempo entre os estudos e a cadeia, onde ficou preso por atividades políticas revolucionárias. Em meio a guerras e revoluções, Kulik desenvolveu um interesse especial pelos meteoritos. 

Em 1921 ele criou o Departamento de Meteorítica no Museu Mineralológico de São Petersburgo e organizou uma primeira expedição para pesquisar candidatos a meteoritos na Sibéria e Saratov. 

Leia mais:

  • Meteoro de Chelyabinsk: 10 anos do evento que sacudiu o mundo
  • Encontrado pedaço de asteroide que caiu na França
  • Meteoro superbrilhante transforma a noite em dia no sul do Brasil

Durante a viagem, ele se interessou particularmente pelos relatos vindos da região de Tunguska, sobre um fenômeno celeste que Kulik concluiu se tratar de um grande impacto de uma rocha espacial. Mas somente em 1927, já formado em mineralogia e com a então União Soviética politicamente mais estável, é que foi possível a realização de uma expedição científica dedicada a estudar o evento ocorrido em Tunguska, quase duas décadas antes. Kulik esperava encontrar uma cratera e um gigantesco meteorito, mas se deparou com cenário assustador, marcado pela devastação e pelos mistérios. 

Aquela tarefa estava longe de ser simples. A região era (e ainda é) de difícil acesso, coberta por pântanos, densas florestas e um frio cortante. Por lá não passavam estradas, nem linhas de trem, e rios estavam constantemente congelados. Além disso, os poucos habitantes locais ainda falavam com receio sobre o “fogo do céu”. Achavam que haviam sido castigados pelos deuses. Mas Kulik persistiu. Enfrentou nevascas, doenças e condições extremas. Conseguiu testemunhos suficientes para estimar a trajetória da rocha espacial e alcançar o epicentro da explosão.

[ Cenário encontrado no local do impacto: mais de 2 mil km² de floresta devastada – Créditos: Leonid Kulik ]

E o que ele encontrou ali o deixou perplexo. As árvores estavam todas deitadas como se tivessem sido varridas por uma onda de choque. A explosão parecia ter se propagado a partir de um ponto central, onde ele se deparou com algo ainda mais intrigante: os troncos verticais dos pinheiros estavam todos de pé, mas seus galhos haviam sido arrancados por uma força vinda de cima. E para seu espanto, não havia cratera alguma. Não havia buraco, nem meteoritos e nem mesmo vestígios de um corpo celeste. Só lama, árvores queimadas e um silêncio inquietante. 

Aquilo não fazia sentido. Se impactos muito menores haviam deixado farta quantidade de meteoritos, por que não haviam toneladas deles ali? Kulik passou anos procurando por eles. Fez novas expedições na década de 1930, vasculhou o solo, drenou pântanos inteiros, cavou buracos, e quanto mais cavava, mais profundo se tornava aquele mistério. Mesmo assim, Kulik jamais abandonou a hipótese do impacto. Estava convencido de que o Evento de Tunguska era o resultado de uma colisão cósmica — ainda que os detalhes escapassem. 

[ Área de aproximadamente 2.150 km² devastada pelo impacto de Tunguska – Créditos: Academia de Ciências de São Petersburgo ]

Infelizmente, seu trabalho foi novamente interrompido por um novo conflito: a Segunda Guerra Mundial. Kulik defendeu seu país da invasão alemã, mas foi ferido e capturado. Acabou morrendo em 1942, em um campo de concentração nazista, sem conseguir resolver o grande enigma ao qual dedicou sua vida a estudar.

Mas graças aos esforços iniciados por ele e aos estudos realizados nas décadas seguintes, hoje sabemos que impactos desta magnitude produzem energia suficiente para vaporizar completamente grande parte da rocha espacial. Os dados levantados em campo por Kulik sugerem que um asteroide rochoso, com cerca de 70 metros de diâmetro, atingiu a Terra a mais de 20 quilômetros por segundo naquele 30 de junho de 1908. Ele teria explodido entre 5 a 10 km de altitude, liberando uma energia equivalente a 1000 bombas nucleares. O calor da explosão incendiou as árvores e a onda de choque devastou a floresta, gerou tremores de terra detectados em sismógrafos de toda a Europa e lançou no ar pessoas que estavam a até 65 quilômetros de distância, como o camponês citado no início. 

Apesar de não ter resolvido totalmente o enigma, Kulik estava certo, e seu trabalho foi fundamental para a nossa compreensão dos grandes impactos cósmicos. Hoje, o Asteroid Day, é celebrado todos os anos em 30 de junho, justamente em alusão à Tunguska, o maior evento de impacto da história recente da humanidade. Uma forma de lembrar que essas colisões cósmicas não são apenas coisas de dinossauro desavisado — ou de Hollywood. 

[ Leonid Alekseyevich Kulik – Créditos: Evgeny Leonidovich Krinov ]

Graças a Leonid Kulik, conhecemos a extensão dos danos causados por um asteroide relativamente pequeno e podemos imaginar o que aconteceria se algo assim ocorresse sobre uma grande metrópole. Isso, sem dúvida, nos mostra a importância de seguirmos vigilantes, com olhos no céu e pés na Terra, protegendo nosso planeta dos perigos que vêm do espaço!

O post Dia do Asteroide e o legado de Tunguska: um alerta cósmico apareceu primeiro em Olhar Digital.

Fonte: https://olhardigital.com.br/2025/06/30/colunistas/dia-do-asteroide-e-o-legado-de-tunguska-um-alerta-cosmico/