21 de setembro de 2024
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Há um ano, a Alemanha desligou de vez suas últimas três centrais nucleares, algo que deixou o resto do mundo confuso.

Conforme as alterações climáticas vão crescendo, além dos apelos para a inutilização dos combustíveis fósseis e a crise energética causada pela invasão à Ucrânia pela Rússia em 2022, a decisão alemã de encerrar sua produção de energia nuclear antes das fontes de energia com grande utilização de carbono, como o carvão, foi alvo de grandes críticas.

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Mas, segundo o The Conversation, tal decisão só pode ser entendia se enquadrada dos desenvolvimentos sociopolíticos na Alemanha no pós-Segunda Guerra, com o anti-nuclearismo antecedento o discurso político sobre o clima.

O movimento anti-nuclear, podemos dizer, surgiu por volta de 1971 com o best-seller “Peaceably into Catastrophe: A Documentation of Nuclear Power Plants” (“Pacificamente em direção à catástrofe: uma documentação sobre usinas nucleares”, em tradução livre).

Na sequência, vários protestos de centenas de milhares de pessoas vieram, incluindo o maior já visto na Alemanha Ocidental, na cidade de Bonn. Assim, esse movimento atraiu empatia geral e atenção de todo o paós, tornando-se grande força política antes até do desastre nuclear de Chernobyl, ocorrido em 1986.

Entre suas motivações, estavam:

  • Desconfiança na tecnocracia;
  • Medos ecológicos, ambientais e de segurança;
  • Suspeitas de que a energia nuclear possa gerar proliferação nuclear;
  • Oposição geral ao poder concentrado (especialmente após extrema consolidação sob a ditadura nazista).

Dessa forma, os ativistas defendiam o que acreditavam ser alternativas renováveis mais seguras, mais verdes e mais acessíveis, tais como as energias solar e eólica, com a promessa de maior autossuficiência, participação comunitária e capacitação dos cidadãos – a chamada “democracia energética”.

Contudo, o apoio às energias renováveis, contextualiza o The Conversation, não teve muito a ver com CO₂, mas, sim, com:

  • Redefinição das relações de poder (por meio da geração descentralizada, da base para o topo, ao invés da produção e distribuição do topo para a base);
  • Proteção dos ecossistemas locais;
  • Promoção da paz no contexto da Guerra Fria.
Imagem: Christian Schwier/Shutterstock

Alemanha vs. energia nuclear

É interessante notar que a geração de ativistas mais velhos rejeitou deliberadamente o pensamento dominante da época, que entendia que a energia nuclear centralizada era o futuro e, a distribuição e implantação em massa de energias renováveis, um absurdo.

Esse pensamento foi vital para a criação do Partido Verde alemão, atualmente, o mais influente em todo o mundo. Ele surgiu em 1980 e figurou no governo da Alemanha pela primeira vez entre 1998 e 2005 na condição de parceiro júnior dos sociais-democratas.

A coligação proibiu a construção de novos reatores, anunciou o encerramento dos já existentes até 2022 e aprovou várias legislações em favor de energias renováveis.

Essas medidas impulsionaram a implantação nacional de energias renováveis, aumentando de meros 6,3% do consumo interno bruto de eletricidade, em 2000, para 51,8%, em 2023.

Os números são ainda mais impressionantes levando-se em conta que os cidadãos comuns também contribuíram para esse aumento.

No início da década passada, eles detinham, integralmente, mais de 50% da capacidade total instalada de geração de energia renovável no país, seja por cooperativas comunitárias de energia eólica, instalações de biogás com base em explorações agrícolas, ou energia solar doméstica com placas solares instaladas em telhados. Em 2019, este valor era de 40,4%.

Enquanto as mudanças energéticas em outros países objetivam atingir emissões líquidas zero utilizando qualquer tecnologia de baixo carbono disponível, a Alemanha foca em se afastar tanto da energia intensiva em carbono, como da energia nuclear, para se basear em opções 100% renováveis. Esse movimento é chamado de “Energiewende” (algo como “trnnsição energética”, ou “revolução energética”).

O termo teria sido criado pelo livro que o leva no título: “Energie-Wende: Crescimento e Prosperidade Sem Petróleo e Urânio“, publicado em 1980 por think tank fundado por ativistas antinucleares.

Governos que vieram a seguir mantiveram o pensamento

Ao longo das últimas duas décadas e meia, os governos alemães consecutivos vêm seguindo esta linha, ao menos em parte. O único que, ao menos, durante um período foi na contramão desses pensamentos, foi o segundo gabinete pró-nuclear da ex-primeira-ministra Angela Merkel (2009-2013), mas que mudou forçosamente.

Isso aconteceu após o desastre na usina nuclear de Fukushima (Japão), em 2011. Protestos em massa de 250 mil pessoas e incrível derrota nas eleições para o Partido Verde os forçaram a voltar ao plano de eliminação progressiva até 2022, ditado anos antes.

Outro problema para os alemães é onde armazenar os resíduos nucleares, algo jamais resolvido pelo país. Nenhuma comunidade aceitou recebê-los. Dessa forma, a solução atual é armazená-los em instalações temporárias próximas dos reatores existentes.

Impopularidade

Pesquisas realizadas entre a população alemã mostram que a aversão à energia nuclear segue muito forte.

Em 2022, auge da crise energética, um inquérito apontou que 52% dos cidadãos eram contra a construção de mais reatores, apesar de 78% apoiassem extensão temporária do funcionamento dos existentes até o verão do ano passado.

O governo de coligação social-democrata-verde se comprometeu com a temática em meados de abril de 2023.

Atualmente, 51,6% dos alemães acredita que a decisão foi prematura, mas um novo adiamento foi considerado politicamente inviável por conta do forme pensamento anti-nuclear dos Verdes e de setores transversais da população, consideradamente alto.

Mesmo com protestos públicos contrários ao fim da energia nuclear na Alemanha, como os realizados pela oposição, são poucos os líderes políticos que pensam que o governo mudará sua posição.

Um membro da indústria declarou ao The Conversation que falar sobre a reintrodução da energia nuclear no país é “ilusório”, pois os investidores foram “queimados […] muitas vezes” no passado e, agora, “preferem investir seu dinheiro em investimentos mais seguros”.

Sem contar que “seriam necessárias décadas para construir novas centrais [nucleares]” e a eletricidade já não é mais preocupação nacional, graças à rápida expansão das energias renováveis. Agora, a atenção da Alemanha está centrada no aquecimento e transportes.

Energia nuclear alemã (roxo) foi amplamente substituída por energias renováveis ​​(amarelo) e não pelo carvão (preto e marrom) (Imagem: Reprodução)

Fim da energia nuclear não significou maior uso de carvão

Contudo, previsões de que o fim da produção nuclear alemã os forçariam a utilizar mais carvão e a enfrentar preços maiores e problemas de abastecimento não se concretizaram.

Em março de 2023, um mês antes da eliminação progressiva, a distribuição da produção de energia na Alemanha estava assim:

  • 53% renovável;
  • 25% carvão;
  • 17% gás;
  • 5% nuclear.

Em março de 2024, estava assim:

  • 60% renovável;
  • 24% carvão;
  • 16% gás.

Já em 2023, foi registrado recorde de produção de energia renovável em todo o país, nível mais baixo em 60 anos na utilização do carvão, grandes cortes de emissões e diminuição no preço energético.

Para mostrar que o país está avançando no setor energético e com a era nuclear não fazendo falta para a maioria dos alemães, um observador da indústria define: “Quando estas centrais nucleares são desligadas, elas desaparecem”, com caminho espinhoso para uma eventual volta.

O post Entenda por que a Alemanha desistiu da energia nuclear antes do carvão apareceu primeiro em Olhar Digital.

Fonte: https://olhardigital.com.br/2024/05/03/pro/entenda-por-que-a-alemanha-desistiu-da-energia-nuclear-antes-do-carvao/