Conforme relata um artigo publicado na quarta-feira (26) na revista Nature, o rover Perseverance registrou um conjunto inédito de sons que representa a primeira gravação de relâmpagos em Marte, confirmando que esse tipo de fenômeno também ocorre no planeta vermelho.
As descargas detectadas pelo explorador robótico não se parecem com os relâmpagos intensos e luminosos que estamos acostumados a ver na Terra. Na verdade, lembram pequenos choques estáticos, como aqueles que sentimos ao encostar em uma maçaneta. Mesmo assim, o registro representa um marco para a ciência planetária, sendo a primeira evidência acústica direta de eletricidade atmosférica marciana.
Em resumo:
- O rover Perseverance, da NASA, registrou sons inéditos em Marte, confirmando a existência de descargas elétricas no planeta;
- Esse fenômeno foi detectado dentro de redemoinhos que carregam partículas de poeira;
- A SuperCam do rover identificou faíscas minúsculas após extensa análise de gravações;
- Especialistas afirmam que a atmosfera marciana só produz descargas fracas;
- A descoberta aprimora modelos climáticos e orienta futuras missões ao planeta.
Como foram gravados os relâmpagos de Marte
Segundo o artigo, os sinais foram produzidos dentro de redemoinhos de poeira, fenômenos comuns em Marte. Esses redemoinhos surgem quando o vento levanta partículas finas do solo, criando colunas giratórias que podem atravessar longas distâncias. O atrito entre os grãos de poeira faz com que eles fiquem eletricamente carregados, de forma parecida com esfregar um balão no cabelo para produzir eletricidade estática.
À medida que essas partículas carregadas se movimentam rapidamente no interior do redemoinho, surgem regiões com diferentes cargas elétricas. Quando a diferença é grande o suficiente, pequenas descargas podem saltar de um ponto ao outro, gerando sons fracos, mas perceptíveis ao microfone sensível do instrumento SuperCam do Perseverance. Essas descargas são curtas, frágeis e não produzem luz visível.
O primeiro som foi detectado em setembro de 2021, quando um redemoinho de poeira passou diretamente sobre o rover. Naquele momento, o microfone da Supercam registrou dois picos sonoros, sendo o segundo menor e mais sutil. Ao analisar o material, a equipe notou que esse segundo sinal se encaixava no padrão de uma interferência eletromagnética, característica de pequenas descargas elétricas.
Intrigados, os cientistas revisaram 28 horas de gravações feitas ao longo de quatro anos. Eles identificaram 54 eventos similares, dos quais sete apresentavam o mesmo padrão duplo captado há quatro anos. A diferença de tempo entre os dois picos ajudou a calcular a distância das descargas, que pareciam ocorrer a poucos centímetros do microfone, indicando que as faíscas eram realmente minúsculas.
Por que não tem efeito visual
Em um texto opinativo para a Nature, Daniel Mitchard, físico especializado em relâmpagos da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, diz que a atmosfera fina de Marte impediria a formação de descargas grandes ou luminosas como as da Terra. Segundo ele, nosso vizinho produz apenas faíscas milimétricas, capazes de gerar estática, mas não clarões. Esse detalhe explica por que nenhuma câmera conseguiu registrar luz associada aos eventos.
Embora a existência de relâmpagos marcianos já tenha sido sugerida em simulações e estudos anteriores, nenhuma observação direta havia sido confirmada. Em 2009, pesquisadores da Universidade de Michigan, nos EUA, anunciaram a detecção de um sinal de micro-ondas compatível com descargas, mas análises posteriores não encontraram evidências suficientes para sustentar a conclusão. Desde então, o tema se tornou um debate constante na ciência planetária.

Para Aymeric Spiga, especialista em dinâmica atmosférica da Universidade Sorbonne, na França, as novas gravações representam o conjunto mais convincente de dados já obtidos sobre eletricidade marciana. No entanto, ele, que assim como Mitchard não tem envolvimento no estudo, ressaltou à emissora de rádio australiana ABC, que o debate só deve ser encerrado com imagens ou medições visuais, algo difícil de capturar devido à baixa intensidade das faíscas.
Apesar das limitações, o estudo amplia o entendimento sobre a interação entre poeira, vento e eletricidade em Marte. Isso é essencial para o planejamento de futuras missões, já que descargas elétricas podem afetar instrumentos sensíveis, painéis solares e sistemas de comunicação.
Redemoinhos de poeira desempenham papéis fundamentais no clima marciano, ajudando a redistribuir partículas na atmosfera e podendo influenciar a formação de tempestades maiores. Entender sua atividade elétrica também contribui para construir modelos mais realistas do ambiente atmosférico do planeta, algo crucial para missões tripuladas no futuro.
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Rover Perseverance vai observar o Sol
Nos próximos dois meses, o Perseverance vai desempenhar uma atividade adicional que não faz parte de seus objetivos principais: observar o Sol. Isso será possível porque Marte está, temporariamente, posicionado atrás da estrela em relação à Terra, oferecendo ao rover uma visão do lado solar que estará inacessível para nós.

De acordo com a plataforma de meteorologia e climatologia espacial Spaceweather.com, uma vez por dia, ele usa a Mastcam-Z, câmera estéreo posicionada no topo do mastro principal, para registrar imagens do Sol. Essa rotina serve para medir o nível de poeira presente na atmosfera, um elemento essencial para prever as condições meteorológicas em Marte. A detecção de manchas solares acaba sendo um benefício extra desse processo.
Como não foi projetada para observar o Sol em alta definição, a Mastcam-Z gera imagens em que o disco solar ocupa apenas cerca de 90 pixels de largura, o que é muito pouco para revelar detalhes finos. Mas, ainda assim, consegue identificar manchas muito grandes.
Nesta quarta-feira (26), por exemplo, às 21h (pelo horário de Brasília), o rover registrou uma mancha solar gigantesca, estimada em cerca de 15 vezes o diâmetro da Terra. A região deve girar em direção ao nosso planeta na próxima semana, o que pode elevar a atividade solar.
Marte ficará alinhado atrás do Sol entre dezembro e janeiro, período em que o Perseverance seguirá em dupla função: além de investigar a superfície marciana, também contribuirá para o monitoramento da atividade solar.
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