
Na busca por nossas origens cósmicas, a jornada é tão importante quanto o destino. E no último dia 20 de abril, nossa viajante interplanetária Lucy, no meio de sua longa travessia rumo à órbita de Júpiter, cruzou o caminho do asteroide Donaldjohanson — a cerca de 230 milhões de quilômetros da Terra.
As imagens recém-enviadas pela sonda revelaram uma rocha alongada, marcada por crateras e cicatrizes do tempo, e despertaram ainda mais nosso interesse pelos segredos que ela poderia esconder. Sem tempo a perder, Lucy prosseguiu em sua jornada com destino aos asteroides troianos de Júpiter — considerados verdadeiras joias do Sistema Solar. Mas, afinal, o que Lucy realmente espera encontrar entre esses escombros celestes? Ou, parafraseando os Beatles: quais diamantes nossa Lucy procura no céu?
A missão Lucy, da NASA, é, antes de tudo, uma expedição arqueológica cósmica. Mas, em vez de pincéis e trincheiras no deserto, temos câmeras, sensores e uma sonda cruzando o espaço profundo. Seu objetivo: desvendar os mistérios dos asteroides troianos de Júpiter — fragmentos primordiais que se acredita serem sobras intactas da época em que os planetas gigantes ainda estavam se formando. Esses asteroides habitam dois campos gravitacionais muito especiais, os chamados Pontos de Lagrange L4 e L5, localizados cerca de 60º à frente e atrás de Júpiter em sua órbita. Foram previstos matematicamente por Joseph-Louis Lagrange ainda no século XVIII, mas só foram descobertos de fato mais de cem anos depois e, somente agora, estamos prontos para visitá-los pela primeira vez.
O nome “Lucy” é uma homenagem ao famoso fóssil de Australopithecus afarensis, com 3,2 milhões de anos, encontrado na Etiópia em 1974. No momento da descoberta, o paleontólogo Donald Johanson — que batizou o fóssil — ouvia a canção “Lucy in the Sky with Diamonds”, dos Beatles, tocando repetidamente no acampamento.
A música inspirou o nome daquele antigo ancestral humano e, décadas depois, também deu nome à sonda da NASA que agora explora um dos mais importantes sítios arqueológicos do Sistema Solar. Se o fóssil Lucy ajudou a contar a história da nossa espécie, a missão Lucy busca narrar a história das origens do Sistema Solar — incluindo, claro, a própria Terra. Lançada em 2021, ela é uma das missões mais ambiciosas da agência espacial norte-americana: deve durar cerca de 12 anos e visitar, ao todo, oito corpos celestes, entre eles asteroides do cinturão principal, sistemas binários e os tão cobiçados troianos.

Porém, a jornada de Lucy até os aguardados pontos de Lagrange é tão importante quanto o destino. Nesta caminhada espacial, ela encontrou os asteroides Dinkinesh e Donaldjohanson — os primeiros alvos da missão, localizados no cinturão principal entre as órbitas de Marte e Júpiter. Dinkinesh foi o primeiro encontro, em novembro de 2023, e já trouxe surpresas: ao se aproximar, a sonda revelou que ele não estava sozinho.
Um pequeno satélite o acompanhava, revelando um sistema binário inesperado. Mais do que isso, as imagens da Lucy mostraram que essa lua de Dinkinesh, batizada de Selam, era também um binário de contato, ou seja, formado por dois corpos distintos unidos em um impacto suave.
Já Donaldjohanson, visitado no último dia 20 de abril, recebeu esse nome em homenagem ao paleoantropólogo que descobriu o fóssil Lucy — uma bela homenagem dentro da homenagem. As imagens registradas a cerca de 1000 km mostram uma geologia complicada que parece ser um binário de contato, mas com os dois lóbulos unidos por um ‘pescoço’ fino e alongado. Este encontro, assim como aquele com Dinkinesh, serve como ensaio geral, testando instrumentos e manobras, mas também como janelas para um passado distante. Mesmo sendo alvos “secundários”, esses pequenos mundos oferecem pistas valiosas sobre as colisões, a formação de crateras e os processos que moldaram os corpos rochosos desde os primórdios do Sistema Solar.

Mas o grande espetáculo ainda está por vir. A partir de 2027, Lucy começará a se aproximar dos asteroides troianos de Júpiter. 250 anos depois de Lagrange prever a existência desses corpos, Lucy buscará descobrir se a estabilidade gravitacional nessas áreas pode ter ajudado a manter os asteroides troianos de Júpiter livres de grandes impactos, conservando-os praticamente intactos desde os primórdios da história do Sistema Solar.
Em agosto de 2027, Lucy chega ao campo L4, também chamado de campo grego. Lá ela encontra o primeiro troiano a ser visitado: Euríbates. Com aproximadamente 64 km, Euríbates é o maior membro da única família de asteroides troianos comprovadamente formada por um impacto. Ele também tem uma pequena lua de 1 km chamada Queta.

Em setembro do mesmo ano, Lucy irá encontrar Polymele, um interessante asteroide com cerca de 21 km e também com um satélite de 5km. Polymele parece ser um dos fragmentos da colisão que formou os asteroides do tipo P. A coloração avermelhada sugere que sua superfície é rica em tolina, molécula formada pela ação da radiação ultravioleta em compostos orgânicos.
Na sequência, Lucy visita Leucus, em abril de 2028, e Orus, em novembro. Leucus, com 34 km possui uma rotação extremamente lenta, levando cerca de 466 horas para completar uma volta em torno de si. Já Orus, tem cerca de 51 km, é provavelmente um asteroide carbonáceo, rico em compostos orgânicos e, possivelmente, um sistema binário.
Para encerrar sua jornada, Lucy deixa o campo grego, retorna até as proximidades da Terra, onde buscará impulso para retornar à órbita de Júpiter, mas dessa vez no campo L5, o campo troiano, dos asteroides troianos de Júpiter. Lá ela encontra, apenas em 2033, o sistema binário formado por Patroclus e Menoetius, com 113 e 104 km aproximadamente, e que serão registrados neste grand finale da missão.

O que torna esses asteroides tão especiais é o fato de que, ao contrário de muitos outros corpos celestes, eles pouco mudaram nos últimos 4,5 bilhões de anos. São fósseis à deriva no céu, preservados em sua forma original como cápsulas do tempo. Estudá-los pode nos ajudar a entender como os planetas gigantes migraram em seus primeiros momentos de existência e como as sobras desse processo se espalharam, influenciando até mesmo a origem da água na Terra — e, quem sabe, da vida.
Portanto, a jornada de Lucy não busca apenas explorar novos mundos e conhecer nossa vizinhança cósmica. É também uma aposta da humanidade na busca de suas próprias origens. Uma busca para entender os ingredientes e a receita do Cosmos para a criação dos planetas, de suas luas e de seus habitantes. Quais combinações de fatores permitiram o surgimento da Terra? E como as moléculas se uniram para gerar a vida que evoluiu até o australopithecus que chamamos de Lucy?
Talvez algumas dessas respostas possam ser respondidas lá, nestes campos gravitacionais previstos por Lagrange e que agora receberão a visita desta nova Lucy, criada pelos descendentes daquela que habitava a Etiópia há 3 milhões de anos e que evoluíram ao ponto de criar belas canções e sondas espaciais para investigar os segredos de nossa própria ancestralidade cósmica.
E assim, enquanto Lucy está no céu com seus diamantes, seguimos olhando para cima, com nossos olhos de caleidoscópio, tentando montar o quebra-cabeça da nossa própria existência.
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Fonte: https://olhardigital.com.br/2025/05/05/colunistas/lucy-no-ceu-com-os-diamantes-do-sistema-solar/