30 de setembro de 2024
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Quem são nossos herói? Desde crianças somos expostos a estereótipos de heróis que vão do alienígena com poderes sobrenaturais, de roupa azul e cueca por cima da calça, ao jogador de futebol que faz o gol do meio da rua, aos 43 minutos do segundo tempo, tirando o título do campeonato das mãos de seu maior rival. Mas longe dos álbuns de figurinhas e dos holofotes de Hollywood, existem heróis da vida real, que enfrentam desafios inimagináveis, arriscando suas vidas em situações extremas, como médicos na linha de frente durante pandemias, bombeiros em incêndios devastadores, ou astronautas em missões perigosas no espaço. 

Hoje vamos relembrar a história de dois desses heróis quase anônimos. Sem qualquer superpoder e movidos pela coragem e determinação, Vladimir Dzhanibekov e Viktor Savinykh enfrentaram o desconhecido, desafiaram a morte no vazio do espaço, para cumprir uma das mais dramáticas e desafiadoras missões da história da exploração espacial: o resgate da Salyut 7.

Lançada em 1982, a Salyut 7 era o orgulho do Programa Espacial Soviético. A sétima estação espacial da série Salyut, serviu como um laboratório orbital para pesquisas científicas e como plataforma de testes para futuras estações espaciais, como a Mir. Mas em fevereiro de 1985, algo terrível aconteceu: a Salyut 7, estava sem tripulação, mas era controlada remotamente pelos soviéticos, quando parou de responder aos comandos da Terra. Uma falha elétrica crítica havia deixado a estação de 20 toneladas à deriva no espaço, orbitando o planeta sem controle e podendo cair em qualquer lugar Terra.

[ Soyuz acoplada em uma Estação Espacial Salyut – Imagem: spacecollection.info ]

A perda da Salyut 7 seria um duro golpe para o Programa Espacial Soviético, um vergonhoso fracasso em plena Guerra Fria. A estação, embora desocupada no momento da falha, representava anos de investimento e trabalho árduo, além de ser crucial para os planos de futuras missões espaciais. Além disso, os americanos, ao mesmo tempo que pressionaram por uma solução, podiam oferecer uma alternativa óbvia: o ônibus espacial Challenger, que já estava com lançamento agendado e teria capacidade de trazer a Salyut 7 de volta à Terra em segurança. 

Só que imaginar os americanos pondo as mãos em seu mais avançado laboratório espacial causava arrepios nos soviéticos. Diante disso, eles acabaram tomando uma decisão ousada: lançar uma missão tripulada para resgatar a estação. Era uma missão extremamente arriscada, mas que se tornou um marco na história da exploração do espaço. Pela primeira vez uma espaçonave tentaria um acoplamento manual a uma estação espacial descontrolada.

Escalados com responsabilidade de virar esse jogo e salvar a Salyut 7, os cosmonautas Vladimir Dzhanibekov e Viktor Savinykh eram dois veteranos do Programa Espacial Soviético, experientes e com nervos de aço. Só que mesmo treinando em simuladores que reproduziam as condições da Salyut 7, a manobra de acoplamento manual em uma nave girando descontroladamente parecia mais complicada do que estacionar uma carreta na vaga de subsolo de um prédio comercial durante um terremoto. 

[ Vladimir Djanibekov (à esquerda) e Viktor Savinikh (à direita), tripulantes da espaçonave Soyuz T-13 – Créditos: Aleksandr Mokletsov/Sputnik ]

Mesmo assim, em junho de 1985, depois de apenas 4 meses de treinamento, Dzhanibekov e Savinykh partiram a bordo da Soyuz T-13, para sua missão impossível. A viagem até a Salyut 7 foi tensa, com a incerteza pairando no ar. A cada quilômetro percorrido, a equipe se aproximava de um desafio sem precedentes na história espacial. Ao se aproximarem da estação, os cosmonautas se depararam com uma visão assustadora: a Salyut 7, imensa e silenciosa, girava lentamente em em vários eixos, como um carro capotando.

E eles precisariam entrar nesse carro enquanto ele capotava. Um erro nesta manobra poderia significar a morte certa no vazio do espaço. E se conseguissem acoplar, não sabiam o que encontrariam dentro da Salyut. Mas utilizando cálculos precisos e manobras delicadas, Dzhanibekov pilotou a Soyuz T-13 com maestria, aproximando-se lentamente da estação. Sem os sistemas automáticos de acoplamento, que dependiam da energia da Salyut 7, o cosmonauta teve que realizar a manobra manualmente, guiando a nave com a ajuda de um pequeno telescópio e de marcas visuais na estação.

[ Parte 1: Uma representação de um encontro e acoplamento típicos da Soyuz. Parte 2: Uma representação do procedimento modificado de encontro e acoplamento empregado para a Soyuz T-13 (nas partes 2b e 2c a nave está, na verdade, voando de lado) – Créditos: epizodyspace.ru / arstechnica.com ]

Após horas de tensão, a Soyuz T-13 se acoplou à Salyut 7 com um suave impacto. A primeira etapa da missão havia sido concluída, mas o maior desafio ainda estava por vir. Ao abrirem a escotilha da estação, os cosmonautas se depararam com um cenário desolador. A Salyut 7 estava congelada, com temperaturas abaixo de zero, e completamente escura, sem energia elétrica. Os sistemas de suporte de vida estavam desligados, e a atmosfera da estação era irrespirável.

Longe das suas famílias e a 300 km da superfície, nossos herois do espaço começaram a trabalhar, com calma e determinação, para tentar trazer a Salyut 7 de volta à vida. Utilizando lanternas de cabeça, eles inspecionaram os sistemas da estação, identificando a falha elétrica e realizando reparos complexos em condições extremas. Dia após dia, eles lutaram contra o frio, a escuridão e a falta de recursos, improvisando soluções e demonstrando uma habilidade técnica e uma força de vontade inabaláveis.

Contrariando todas as expectativas, depois de 10 dias de trabalho, a Salyut 7 voltou à vida! Os sistemas de energia foram restaurados, a temperatura da estação voltou ao normal e o ar se tornou respirável novamente. A missão de resgate, que tinha tudo para dar errado, havia sido um sucesso absoluto, um triunfo da engenhosidade e da coragem humana e que até hoje, enche de orgulho o povo russo!

[ Salyut 7 vista a partir da Soyuz T-13, enquanto iniciava sua jornada de volta para casa – Créditos: Roscosmos ]

A bravura dos herois cosmonautas não apenas ressuscitou um dos principais equipamentos científicos em órbita da Terra, mas também salvou a reputação do Programa Espacial Soviético, evitou o risco de uma reentrada descontrolada e o aprofundamento da crise com seus rivais americanos. Dzhanibekov ainda permaneceu na estação por mais 100 dias, e Savinykh passou quase dois meses a mais, totalizando 168 dias na estação. O esforço garantiu o funcionamento da Salyut 7 por mais alguns anos e sua permanência no espaço até 1991.

A história do resgate da Salyut 7 é uma verdadeira epopeia moderna, que transcende fronteiras e épocas. Vladimir Dzhanibekov e Viktor Savinykh se tornaram exemplos de coragem, superação e dedicação à ciência e à exploração espacial. Seu feito extraordinário, enfrentando o vazio do espaço e o desconhecido, serviu como inspiração para o filme “Salyut 7”, que imortalizou essa missão épica. A bravura desses cosmonautas continua a ecoar como um símbolo do que a humanidade pode conquistar quando impulsionada pela determinação e pelo espírito de aventura.

O post O heroico resgate da estação espacial Salyut 7 apareceu primeiro em Olhar Digital.

Fonte: https://olhardigital.com.br/2024/09/30/colunistas/o-heroico-resgate-da-estacao-espacial-salyut-7/