Em um imenso deserto, sob o impiedoso olhar do Sol, um viajante se depara com os restos de uma estátua colossal. Do pedestal em ruínas, duas pernas truncadas e um rosto desfigurado emergem da areia, testemunhas silenciosas de um passado grandioso.
A inscrição na base da estátua proclama: “Meu nome é Ozymandias, rei dos reis: Contemplem minhas obras, ó poderosos, e se desesperem!”. Mas ao redor, apenas areia e ruínas se estendem até o horizonte. Este é o cenário do poema “Ozymandias”, escrito por Percy Shelley em 1818, uma reflexão sobre a efemeridade das glórias humanas frente à implacável marcha do tempo.
Mas o que um poema de 200 anos tem a dizer sobre o futuro da humanidade? Talvez mais do que possamos imaginar. Assim como Ozymandias, a humanidade moderna parece construir seus monumentos de ferro e concreto, cegos pela arrogância e pela busca incessante pelo crescimento econômico, sem se preocupar com as consequências de suas ações para o planeta e para si mesmo. Imagine um futuro, com as sucatas de nossos satélites abarrotando o espaço próximo à Terra, nossos arranha-céus e megacidades em ruínas, nossas florestas desertificadas e os mais belos resorts de luxo submersos pelos oceanos de um planeta doente. Tudo isso será como as inscrições no deserto, comunicando a soberba da extinta civilização humana aos primeiros viajantes extraterrestres a visitarem esse planeta.
Nossas ruínas poderão ser encontradas inclusive na Lua ou em Marte, mostrando a audácia de uma espécie que ousou colonizar outros mundos antes mesmo de aprender a cuidar do próprio planeta.
Curiosamente, a história desta civilização começou a desandar na época em que Percy Shelley escreveu seu poema. Em 1818 o mundo passava por uma grande mudança nos seus métodos produtivos. A produção manual deu lugar aos métodos mecanizados, novos processos de fabricação de produtos químicos e metalúrgicos. O mundo vivia a Revolução Industrial. O problema é que a energia que movia grande parte daquelas máquinas era oriunda da queima do carvão, processo que lança dióxido de carbono na atmosfera, principal responsável pelo efeito estufa, que tem aumentado as temperaturas no planeta. Estamos pagando um preço muito alto pelo desenvolvimento. Estamos pagando com a nossa própria atmosfera.
A inspiração inicial para o poema de Shelley foi o fragmento da imponente estátua de Ramesses II encontrado em Tebas, no Egito. Ramesses II foi um dos grandes faraós do Egito, que reinou há mais de 3200 anos e também chamado de Ozymandias. Dados históricos e levantamentos científicos mostram que a temperatura média do planeta permaneceu estável desde Ramesses II até Percy Shelley. Mas desde que o poeta escreveu Ozymandias até hoje, elas já se elevaram em 1,5 graus e vem batendo recorde em cima de recorde, se aproximando de uma marca em que não teremos mais retorno.
A busca por crescimento econômico infinito, impulsionada pela exploração desenfreada dos recursos naturais, é uma armadilha perigosa. O ciclo de consumo, que nos leva a extrair, produzir, consumir e descartar em uma velocidade cada vez maior, está esgotando os recursos do planeta e degradando o meio ambiente a um ritmo alarmante. A exploração de combustíveis fósseis, o desmatamento e a poluição são resultado da nossa sede insaciável por crescimento, uma sede que pode nos levar à ruína, assim como Ozymandias.
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Vivemos uma era de ouro da Ciência. Do átomo ao buraco negro, conhecemos cada vez mais do Cosmos e dos processos que movem o Universo. Aprendemos a viajar pelo espaço e a olhar para o passado para enxergar nosso futuro. Mas para que serve todo nosso conhecimento se não somos capazes de utilizá-lo para tomar as decisões corretas na hora certa. Todos nós sabemos o que vai acontecer se continuarmos nesse caminho, mas, assim como o rei dos reis, nossa ganância e nossa soberba nos impede de mudar os rumos da humanidade, e garantir um futuro sustentável para as próximas gerações.
Os efeitos das mudanças climáticas estão cada vez mais evidentes e mais extremas. As chuvas torrenciais que assolaram o Rio Grande do Sul, a Espanha, o Oriente Médio e até mesmo o Deserto do Saara, os recordes de temperatura registrados em todo o mundo, o derretimento das calotas polares e as secas históricas que ameaçam o abastecimento de água e a produção de alimentos em diversas regiões.
Tudo isso são indícios de que, talvez, nosso império já esteja se tornando pó, assim como a imponente estátua de Ozymandias e todas as suas obras engolidas pelo deserto. E nós sabemos o que precisamos fazer para evitar isso. Só precisamos decidir que tipo de legado queremos deixar para o futuro. As ruínas de uma civilização soberba, que sacrificou sua própria existência em troca de uma glória momentânea, ou a sabedoria de quem soube conciliar sua demanda por desenvolvimento com práticas sustentáveis, garantindo um futuro duradouro e saudável para as futuras gerações.
A verdadeira grandeza humana não está em nossos monumentos que honram nosso passado glorioso, mas em nossa capacidade de construir um futuro sustentável, um legado de respeito aos limites do planeta e de harmonia com a natureza. É preciso investir em energias renováveis, criar um modelo de desenvolvimento que priorize a preservação dos recursos naturais e repensar a nossa relação com o meio ambiente.
O poema “Ozymandias” de Percy Shelley nos lembra que o tempo e a natureza são implacáveis, e que não importa o quão glorioso é nosso império e o quão imponente são nossas obras. Nossa soberba sempre será engolida pelas areias do tempo. Carl Sagan disse que a astronomia é uma experiência de humildade e criadora de caráter. De fato, compreender a imensidão do Universo e a grandiosidade das forças que o move nos mostra o quão frágil e preciosa é a fina camada de vida que cobre o nosso planeta. Não há como não lutar por um mundo onde possamos prosperar em harmonia com a natureza, com consciência e responsabilidade, para que Ozymandias continue sendo apenas um poema inspirador, e não um prenúncio desolador do futuro da humanidade.
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Fonte: https://olhardigital.com.br/2024/11/11/colunistas/ozymandias-o-que-um-poema-de-200-anos-tem-a-dizer-sobre-o-futuro-da-humanidade/