Um artigo publicado recentemente no periódico científico The Astrophysical Journal relata a detecção de uma anã branca consumindo fragmentos de um antigo planeta a 145 anos-luz da Terra. Denominado LSPM J0207+3331, o astro é o núcleo remanescente de uma estrela semelhante ao Sol que morreu há cerca de três bilhões de anos.
Por meio de espectroscopia com grandes telescópios no Chile e no Havaí, os cientistas membros da equipe de pesquisa identificaram a assinatura de elementos rochosos recém-depositados na atmosfera da anã branca, indicando um episódio de “canibalismo” planetário muito recente – e possivelmente ainda em curso.
O estudo oferece pistas diretas sobre o destino de sistemas planetários após a morte de suas estrelas centrais e por que esse processo pode persistir por bilhões de anos.
Em resumo:
- Uma anã branca está incorporando detritos de um objeto rochoso, revelados por 13 elementos semelhantes aos encontrados na Terra;
- O material não deveria permanecer visível por muito tempo na atmosfera rica em hidrogênio – sinal de acreção recente, nos últimos milhares de anos;
- O processo pode estar ativo: estima-se que o fragmento tenha cerca de 200 km de diâmetro e esteja sendo destruído por forças de maré;
- Um disco de detritos rico em silicatos envolve a estrela, provável reservatório do corpo que foi desviado para a região interna;
- Observações futuras com o James Webb, da NASA, e a missão Gaia, da Europa, podem revelar a composição do disco e a presença de planetas gigantes que perturbam o sistema.
Como a equipe viu a anã branca devorar um fragmento planetário
Depois que estrelas semelhantes ao Sol esgotam seu combustível, elas se expandem para a fase de gigante vermelha e perdem as camadas externas, deixando um núcleo denso e quente – a anã branca. Planetas internos tendem a ser engolidos, enquanto asteroides, cometas e planetas mais distantes podem escapar, mas passam a viver em um ambiente gravitacional instável, propenso a colisões e rearranjos orbitais que produzem poeira e pedaços de rocha.
No caso da anã branca LSPM J0207+3331, observações com o telescópios Magellan Baade (Chile) e o Keck I (Havaí) revelaram que um fragmento rochoso foi despedaçado pelas forças de maré da estrela. Os detritos caíram sobre ela e deixaram uma “impressão digital” química rara: alumínio, carbono, cromo, cobalto, cobre, ferro, magnésio, manganês, níquel, silício, sódio, estrôncio e titânio em proporções parecidas às de materiais terrestres.

Essa assinatura é surpreendente porque, em anãs brancas com atmosfera rica em hidrogênio, elementos pesados afundam rapidamente e desaparecem da vista. Vê-los em abundância indica alimentação recente – algo como os últimos 35 mil anos, que é um piscar de olhos em escalas astronômicas. “A quantidade de material rochoso é excepcionalmente alta para uma anã branca dessa idade”, afirma Patrick Dufour, do Instituto Trottier de Pesquisa em Exoplanetas, da Universidade de Montreal, Canadá, em um comunicado.
Segundo o artigo, o observatório WISE detectou ainda um excesso de brilho no infravermelho, evidência de um disco de detritos rico em silicatos ao redor da estrela. É provável que o fragmento dilacerado tenha vindo desse reservatório, remanescente do sistema original. O Telescópio Espacial James Webb (JWST), da NASA, poderá detalhar a mineralogia e a massa do disco, ajudando a reconstruir a história do objeto destruído.
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Planetas sobreviventes podem estar por trás de tudo
Mas, por que esse mergulho fatal aconteceu agora, e não bilhões de anos antes? Uma hipótese é que planetas gigantes sobreviventes estejam mexendo, lentamente, com a dança orbital dos escombros, empurrando ocasionalmente grandes pedaços rumo à anã branca. “Algo claramente perturbou este sistema muito depois da morte da estrela”, diz John Debes, do Instituto de Ciência do Telescópio Espacial. “Isso pode indicar processos dinâmicos de longo prazo que ainda não compreendemos completamente.”
Dados da missão Gaia, aposentada este ano pela Agência Espacial Europeia (ESA), podem revelar pequenas oscilações no movimento da anã branca causadas por possíveis planetas gigantes, lançando luz sobre esse mecanismo.

A descoberta desafia a ideia de que, após alguns bilhões de anos, o “gotejamento” de detritos sobre anãs brancas cessaria. “A acreção em curso neste estágio sugere que as anãs brancas também podem reter remanescentes planetários que ainda estão passando por mudanças dinâmicas”, explica Érika Le Bourdais, autora principal do trabalho.
Observações futuras com o Webb e os dados da missão Gaia devem detalhar essa “arqueologia planetária”. A pesquisa mostra que sistemas estelares podem continuar ativos muito depois da morte de suas estrelas, com detritos e fragmentos sendo reciclados por bilhões de anos – um sinal de que até o fim de um sistema pode esconder novos começos.
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Fonte: https://olhardigital.com.br/2025/10/27/ciencia-e-espaco/planeta-e-consumido-aos-pedacos-por-estrela-ana-branca-zumbi/
