26 de março de 2025
“Stonehenge brasileiro” revela ligação entre povos do passado e os
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Todas as sextas-feiras, ao vivo, a partir das 21h (pelo horário de Brasília), vai ao ar o Programa Olhar Espacial, no canal do Olhar Digital no YouTube. O episódio da última sexta-feira (21) – que você confere aqui – falou sobre como os povos ancestrais se relacionavam culturalmente com os eventos cósmicos, desde a construção de monumentos até visões acerca da vida e da natureza.

O programa contou com a presença do especialista em arqueoastronomia Caio Capua. Em um bate-papo com o apresentador Marcelo Zurita, o convidado falou sobre a cultura dos diferentes povos indígenas que conheceu e como eles enxergam o cosmos, além da sincronia entre as estruturas de pedra, as estações do ano e os ciclos da Lua.

Entrevistado conviveu com povos indígenas

Entender como populações ancestrais veem o mundo é fundamental para compreender as construções e artefatos deixados por eles. Capua conta que conviveu com o povo Guarani em 2013 e participou do primeiro Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, em 2015. Essas experiências foram essenciais para sua aproximação com essas culturas.

“Lá eu pude conviver com povos indígenas do mundo inteiro. Desde os Maori, da Nova Zelândia, os Cree, do Canada, até com Maias e Astecas. Me surpreenderam demais”, explica o entrevistado. 

Caio Capua é astrofísico pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e formado em arqueoastronomia pela Universidade de Milão. (Imagem: Olhar Digital)

Zurita comenta que o eclipse é um fenômeno que foi largamente registrado pelos povos ancestrais, com versões até mesmo parecidas. Para os Vikings, a lua se tornava vermelha porque lobos a manchavam de sangue; os Maias diziam que era um jaguar; os Tupis, uma onça azul; para os chineses, um dragão atacava o astro. 

A obra do mitólogo Joseph Campbell, trazida por Capua, explica como a semelhança entre as narrativas pode explicar sua função. Segundo o entrevistado, a ideia por trás do mito é explicar as forças da natureza e o funcionamento do universo. Isso se dá não numa relação de adoração, mas de respeito as potências naturais e os movimentos astronômicos.

“O meu ponto principal, Marcelo, é o que nós podemos aprender com os povos ancestrais, não aprender sobre eles”, diz Capua.

Indígenas veem as estações como fases da vida

O momento em que o dia tem a mesma duração da noite e o Sol nasce quase exatamente a leste e se põe a oeste. É assim que Zurita define o equinócio, evento que ocorreu do dia 20 para o 21, um dia antes do programa. Após isso, ele pergunta ao entrevistado como esse acontecimento astronômico era representado na cultura de populações antigas.

As influências mais próximas que o especialista traz são a das comemorações tradicionais brasileiras, como a festa junina. Essas datas são mesclas entre o paganismo, tradições locais e eventos importantes do cristianismo que já eram celebrados na Europa.

Para os indígenas, no entanto, os equinócios vão além das festividades. “Esses povos são cosmocentricos, tem sua vida centrada no movimento da natureza e dos astros”, explica Capua. 

As quatro estações simbolizam a vida para muitas dessas populações. A primavera sendo a infância; o verão, a vida adulta; o outono, o início do envelhecimento e o inverno, os anos finais.

Povo Guarani Kaiwoa
Povo Guarani Kaiowa. (Imagem: percursodacultura / Wikimedia Commons)

Zurita comenta que o efeito das mudanças durante o ano na agricultura pode ter chamado a atenção dos povos antigos. Porém, Capua comenta que essa visão vem de uma ótica externa muito pautada na economia dos europeus e não na perspectiva do cosmos que os indígenas tinham. 

Parte dos nativos das Américas plantavam no modelo de agroflorestas, sem intenso desmatamento, mas sim com alterações continuas na mata nativa para servir às suas necessidades. Isso fazia deles caçadores, coletores e semeadores em seu estilo de busca e produção de alimentos.

“Quando os europeus chegaram aqui, eles acharam que tinham encontrado um povo primitivo e na selva. Não é verdade, eles encontraram sociedades altamente sofisticadas, que viviam na floresta porque eles criaram essas florestas, ali tinha abundancia de vida”, diz Capua.

Estruturas que interagem com os astros

Em Florianópolis, acima do Morro da Galheta, há um conjunto de pedras organizado de uma forma intrigante. Elas são um dólmen conhecido como Dólmen da Oração – um monumento em formato de mesa feito de rochas com as mais diversas funções para povos distintos. Nesse caso, ela se relaciona com os solstícios e interage com o movimento dos astros.

“Se você for lá exatamente no dia da mudança, tanto no solstício de verão, como de inverno, você vê o Sol atravessando perfeitamente o vão da mesa”, explica o especialista em arqueoastronomia.

Capua pontua que o litoral catarinense era o final do Peabiru. Esse era um trajeto feito por diferentes povos indígenas que ligava os oceanos Atlântico e Pacífico, começando no Paraná e terminando em Cusco, no Peru.

Sítio de Calçoene - Stonehenge brasileiro
O Sítio de Calçoene é hoje um destino para pesquisadores e turistas. (Carina Furlanetto / Shutterstock)

Outro monumento interessante é o Sítio de Calçoene, o “Stonehenge Brasileiro”. Localizado no interior do Amapá, o parque arqueológico é conhecido por abrigar um megálito, estrutura de grandes pedras, que os especialistas acreditam que servia como observatório astronômico, assim como o famoso Stonehenge, na Inglaterra.

Os dois exemplos têm formato circular. O entrevistado comenta que isso vem da perspectiva dos indígenas sobre o calendário, que nesse caso seria mais apropriado o termo “sincronário”, ligado não ao movimento do Sol, mas sim aos 13 ciclos lunares.

“Os indígenas trabalham com o calendário lunar, que tem 13 meses e não 12. Segue o ciclo da Lua”, explica Capua.

Desenhos misteriosos na Paraíba

A 5 km ao sul do município de Ingá, no agreste paraibano, está uma rocha cheia de marcações rupestres conhecida como Pedra do Ingá. Ela intriga pesquisadores e turistas, que já desenvolveram diversas teorias e estudos para tentar compreender quem fez e como produziu os desenhos no monumento.

Para Capua, é preciso falar com os povos indígenas da região para entender o significado do artefato e suas marcas. Sobre isso, Zurita conta uma história em que um europeu registrou o contato da população da área com a rocha.

Pedra do Ingá de frente
Arqueólogos acreditam que os desenhos na Pedra do Ingá tenham cerca de 6 mil anos. (Imagem: MTur Destinos / Wikimedia Commons)

“Quando os indígenas Cariri chegaram naquilo [as marcações na pedra], eles não quiseram se aproximar porque diziam que aquilo tinha sido feito pelos deuses, eles não sabiam quem tinha feito aquelas marcações”, diz o apresentador.

O entrevistado comenta que é comum ouvir relatos dessas populações sobre os “povos das estrelas”. Porém, ele diz que histórias envolvendo extraterrestres muita das vezes são utilizadas para inferiorizar as comunidades ancestrais e duvidar de suas capacidades técnicas.

Zurita finaliza comentando sobre a necessidade de se falar das culturas e histórias dos povos antigos e indígenas. “Acho importante a gente debater principalmente a visão dos nossos povos ancestrais e trazer sempre esse tema aqui no programa”, conclui o astrônomo.

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Fonte: https://olhardigital.com.br/2025/03/24/ciencia-e-espaco/stonehenge-brasileiro-revela-ligacao-entre-povos-do-passado-e-os-astros/