7 de outubro de 2024
Um supercometa desafiou o Sol – e seu ‘fantasma’ vaga
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Nem sequer chegamos no melhor momento de observação do Cometa Tsuchinshan-ATLAS, o chamado “Cometa do Século”, e já apareceu um outro viajante gelado que promete roubar a cena. O recém descoberto C/2024 S1 ATLAS pode atingir um brilho dezenas vezes superior ao do planeta Vênus e se tornar o maior cometa já visto desde o Ikea Seki de 1965. Mas por mais espetacular que ele possa se tornar, o C/2024 S1 é apenas uma pequena parte de algo muito maior. Ele é membro da Família de Kreutz, que provavelmente teve origem na fragmentação de um cometa gigantesco no passado.

Imaginem um céu noturno dominado por uma estrela colossal com uma extensa cauda. Algo tão brilhante que podia ser facilmente observado durante o dia! Seu rastro luminoso se estendia por quase todo o céu, proporcionando um espetáculo que ficou gravado na memória daqueles que o testemunharam. Era o ano de 1106, e as civilizações da época se surpreenderam com a aparição daquele Grande Cometa. Um espetáculo celeste que, em uma época de trevas para a Ciência, era visto como um sinal divino de grandes transformações na Terra. 

O que aquelas pessoas não sabiam é que as maiores transformações estavam ocorrendo mesmo era no espaço. Naquele ano, o cometa com mais de 100 quilômetros de diâmetro se aproximou demais do Sol e foi destroçado pelas forças de maré, que são geradas pela diferença de gravidade sentida em diferentes partes do corpo do cometa. Essa força desigual provoca tensões internas tão grandes que podem quebrar até mesmo os maiores objetos celestes. Essas forças fragmentaram o gigante gelado de 1106 em inúmeros de pedaços menores que, de tempos em tempos, voltam ao interior do Sistema Solar para deslumbrar a humanidade com espetáculos celestes de tirar o fôlego.

Hoje sabemos que, provavelmente, até mesmo o Grande Cometa de 1106 era apenas uma parte de um outro corpo ainda maior, que se fragmentou em uma passagem anterior, no ano 371 a.C, dando origem a toda uma família de cometas rasantes do Sol, conhecida como a Família de Kreutz. 

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Os cometas da família Kreutz são conhecidos por suas órbitas “kami-kazes”, que os levam a encontros perigosamente próximos com o Sol. Durante essas aproximações, os cometas da Família de Kreutz são submetidos a temperaturas e forças gravitacionais extremas, que muitas vezes resultam em sua destruição total, transformando essas imensas rochas geladas em vapor e poeira. Geralmente, aqueles que resistem a esse mergulho solar são os que retornam majestosos, proporcionando os melhores espetáculos.

Foi o caso do Cometa Lovejoy, que em 2011, sobreviveu a um encontro rasante com o Sol e emergiu ainda mais brilhante do que antes. Da mesma forma, o Ikeya-Seki, em 1965, após passar apenas 450 mil km acima da superfície solar, se tornou tão brilhante que era visível a olho nu durante o dia! Mais espetacular ainda foi o Grande Cometa de 1882, cujo brilho superou em 60 vezes o da Lua Cheia. Algo próximo a isso era esperado para o Cometa ISON, de 2013. Mas esse cometa nos lembrou o quão dramáticas e inesperadas são as passagens dos membros da Família de Kreutz. O Cometa ISON acabou não resistindo ao seu mergulho rasante no Sol. Que Zeus o tenha!

[ Cometa Ikea-Seki registrado em 1965 – Créditos: Mike Jewell ]

Todos os cometas da Família de Kreutz têm órbitas muito parecidas. Além da aproximação extrema do Sol, eles se afastam a uma distância centenas de vezes maior que a distância entre a Terra e o Sol, e levam algumas centenas de anos para completar cada órbita. A semelhança entre as órbitas destes cometas foi percebida pela primeira vez pelo alemão Heinrich Kreutz, cujo sobrenome, acabou sendo adotado como nome da família de cometas. 

Muitos dos membros desta família se tornam grandes cometas, mas há também uma enorme quantidade de cometas menores, alguns com poucos metros. Mais de 4 mil destes membros menores da Família de Kreutz já foram descobertos através do Observatório Solar SOHO, que os flagrou em suas passagens rasantes pelo Sol. 

[ Cometa descoberto pelo SOHO pouco antes de ser destruído pelo Sol em 1996 – Créditos: LASCO, SOHO Consortium, NRL, ESA, NASA ]

Mas e agora? O que esperar deste novo membro da família Kreutz que está visitando o interior do Sistema Solar? As expectativas são grandes. O Cometa Atlas se viaja discretamente em direção ao Sol e, provavelmente, só se tornará visível a olho nu alguns dias antes de maior aproximação, que deve ocorrer no dia 28 de outubro. A previsão é que, nesse momento, ele poderá brilhar 40 vezes mais que o planeta Vênus por algumas horas. Infelizmente, ele estará tão próximo ao Sol que não poderá ser observado à noite, mas seu brilho será tão intenso que ele poderia ser visto até mesmo à luz do dia. 

[ Cometa Lovejoy sobre o céu de Santiago – Créditos: Yuri Beletsky (LCO)/ESO ]

Como qualquer outro membro da Família de Kreutz, existe a possibilidade dele ser destruído antes disso. Mas se ele sobreviver, pode desenvolver uma imensa cauda e dar um verdadeiro espetáculo celeste nas madrugadas seguintes, principalmente no Hemisfério Sul do planeta.

Independente do destino reservado ao ATLAS, imaginar que ele, assim como todos esses cometas da Família de Kreutz são como testemunhos da história dramática de um gigante gelado que se fragmentou há milênios, nos faz refletir sobre a grandiosidade dos eventos colossais que moldam o Universo à nossa volta.

O cometa C/2024 S1 ATLAS pode não ser tão grandioso quanto o cometa de 1106, mas talvez ele se torne o mais espetacular da nossa geração. A Família Kreutz nos lembra que o Universo é dinâmico e repleto de surpresas. Mesmo seus membros mais brilhantes são apenas breves aparições em um dramático ciclo de fragmentação que pode durar milênios. E cada um desses cometas nos oferece uma oportunidade de olhar para o passado e contemplar toda a beleza e complexidade do Cosmos.

O post Um supercometa desafiou o Sol – e seu ‘fantasma’ vaga pela nossa vizinhança apareceu primeiro em Olhar Digital.

Fonte: https://olhardigital.com.br/2024/10/07/colunistas/um-supercometa-desafiou-o-sol-e-seu-fantasma-vaga-pela-nossa-vizinhanca/